“Como o barro nas
mãos do oleiro, assim são vocês em minhas mãos”. (Jr 18:6b)
Ser
um vaso novo, e tudo que isso significa, é o clamor de nossas línguas, é o
desejo ardente dos corações que, quando contritos, estão no Senhor. Eu,
consciente ou inconscientemente, pulo esse clamor e nego esse ardente desejo,
quando me defronto com a dor que isso pode me acarretar. Porque, sei que,
humanamente falando, quero mesmo é reconstruir um velho vaso. Aquele que eu
mesmo despedacei! Sinto-me, às vezes, como uma obra de arte inacabada, que por
ser criação das mais perfeitas mãos, é linda. Sinto-me, noutros momentos, como
um vaso feito com formas deslumbrantes e exclusivas, cujas pinturas, em si
impressas, narram a mais linda história de amor. Mas, em um pequeno hiato da
minha soberba, os lampejos de uma consciência santa me fazem relembrar que sou uma
obra decaída, um vaso estilhaçado por pedras que saíram do meu próprio
interior. Pedras que atirei contra tudo que eu realmente gostaria e deveria
ser. Pedras que fizeram em pedaços a linda obra do cuidadoso Artesão. Pedras
que feriram a edificação e o Construtor.
Busco,
então, quase que desesperadamente, remontar os cacos de barro daquela obra
outrora perfeita. Cacos que representam pedaços de mim mesmo! E em lugares
lúgubres, encontro estes pequenos fragmentos de minha vida, que, algumas vezes,
nem me lembro onde estavam na cronologia do meu ser. Alguns cacos que encontro,
esquecidos pelos recantos da minha velha morada, me fazem lembrar de doces
momentos que não mais posso viver. Lembram-me os amores perdidos e, também, os
conquistados; lembram-me os sonhos juvenis e os projetos mais serenos;
lembram-me momentos em que parei quando deveria andar e momentos em que andei
quando deveria parar.
Outros
pequenos estilhaços de barro, que em épocas remotas compuseram a minha vida, me
fazem chorar as dores da saudade ou do terrível arrependimento. Há, ainda, os
cacos que simplesmente me envergonham. E, outros tantos, que me fazem sorrir de
mim mesmo, sem orgulho, sem remorso, sem dor, apenas recordações. Aqui, agora,
exposto na estante da vida, como um simples ornamento de uma obra maior,
finalmente, descobri que sou esse vaso quebrado, e percebi que existem pedaços
de mim espalhados num vasto lugar chamado tempo. Descobri que o Oleiro me fez
segundo a sua imagem e que as muitas pedras, que eu mesmo atirei, me desfiguraram.
Quero
juntar esses fragmentos de um velho vaso, deixando, obviamente, alguns
definitivamente para trás. Quero montar-me de novo, e voltar a ser aquele vaso
à imagem do meu Criador. Porém, o Oleiro me ensina, todos os dias, que não é
colando velhos pedaços que se faz um vaso novo, e que é impossível remendar um
vaso sem juntar todas as partes. Portanto, é necessário que os velhos pedaços
sejam desmanchados por inteiro, perdendo suas cores, seu formato, mas não a sua
essência. É preciso que cada um dos pequenos cacos volte a me compor, mas não
na mesma forma, nem ocupando o mesmo lugar. O Oleiro também me ensinou que um
novo vaso só pode ser feito com barro macio e maleável que seja moldável pelas
suas mãos. Não quero ser novamente quebrado, pois descobri que os vasos só se
quebram quando estão fora dos cuidados de quem os criou, nem quero ser
simplesmente um vaso novo, dispensando a matéria prima da minha essência. Quero
ser apenas como o barro, informe nas mãos do meu Senhor, como alguém que se desmancha
e se refaz pelas mãos de um Oleiro que cria a beleza, espalha o amor e dá o
sopro da vida.
É
assim que quero ser: um nada e um tudo nas mãos do meu Deus, que tudo fez a
partir do nada.