terça-feira, 7 de junho de 2011

A Igreja e o movimento LGBT

Recebi alguns e-mails informando que o Deputado Federal Baiano Jean Wyllys, defensor da causa LGBT na Câmara dos Deputados, teria lançado uma “guerra” contra os cristãos. As aparências apontam para a ideia de que essa tal guerra é fruto dos embates ideológicos em torno da aprovação da PLC 122 – Projeto de Lei que trata de um suposto combate a homofobia – pelo congresso nacional. Eu, no entanto, acredito que essa guerra tem uma motivação histórica com raízes fincadas em um passado longínquo.
Porém, antes de partir para uma análise da questão, quero abrir um parêntese para dizer que, em minha opinião, – e assumo todos os riscos pelo que digo aqui – se o deputado Jean Wyllys estiver realmente partindo para esse tipo de agressão, está configurada a sua total incompetência para ocupar um cargo no legislativo nacional. Essa minha afirmação é alicerçada pelo entendimento de que não é possível se proclamar caminhos para um processo realmente democrático apenas transformando os oprimidos de outrora em novos opressores.
Voltando ao assunto, a intolerância contra os homossexuais não é uma invenção cristã como muitos afirmam. Ela nem sequer faz parte de um processo histórico contínuo, conforme demonstra Foucault em sua História da Sexualidade. Observamos altos e baixos nessa tumultuada relação entre pessoas homo e heterossexuais desde a Grécia Antiga, quando, antes de o cristianismo nascer, algumas cidades-estados admitiam e até incentivavam a homossexualidade como forma de controle de natalidade e outras simplesmente repudiavam essa ideia (Pode-se confirmar esse fato na Constituição de Atenas, de Aristóteles). A homossexualidade foi aceita em diversas comunidade tribais e esteve presente em muitos ritos religiosos ao longo da história, mas simultaneamente ela foi rejeitada por um número ainda maior de comunidades que nada tinham a ver com o cristianismo, como, por exemplo, várias comunidades animistas da África.
Para confirmar a ideia do parágrafo acima, lembramos, por exemplo, que nos dias atuais há muitos países de origem não cristã em que a homofobia é lei, inclusive com previsão de pena de morte. Nesse sentido, é forçoso perceber que a homofobia aparece por motivos religiosos, econômicos e políticos que não têm necessariamente ligação com o cristianismo.
Não podemos, no entanto, negar que os cristãos têm um histórico homofóbico oriundo de interpretações equivocadas das Sagradas Escrituras e que, durante muito tempo, o nosso discurso – assumo esse discurso como cristão, não como indivíduo – foi, e de certa forma ainda é, promotor de larga opressão contra os homossexuais em suas diversas tipificações. Pior ainda, somos obrigados a admitir que o discurso aleijado de parte da igreja cristã promoveu fortemente o uso de diversos tipos de violência contra as pessoas de orientação sexual diferente dos padrões religiosos.
Por outro lado, é imprescindível entender que o cristianismo em sua essência bíblica, embora se afaste ideologicamente da homossexualidade, não apresenta nenhuma instrução de ódio contra o homossexual. Longe disso, ele tem como máxima fundamental que Deus abomina o pecado, porém ama o pecador. Ora, é mister entender que há, sob o ponto de vista cristão, uma diferença gigantesca entre o ato realizado e o seu agente, fazendo com que a atitude realmente cristã seja a de discordar dos comportamentos homossexuais sem, por esse motivo, ferir, humilhar ou excluir os seus praticantes. Sabemos que nem sempre isso acontece e, por isso, é, também, necessário, admitir que a Igreja precisa ter um discurso mais tolerante, que não seja opressor, nem excludente.
Torna-se forçoso, também, entender, mas não aceitar, caso de fato exista, o ódio do Deputado Jean Wyllys pelos cristãos que promoveram muitas vezes um ambiente de repúdio àqueles que pertencem ao grupo LGBT. Pois, houve, no seio da Igreja, muitos erros e pouca reflexão sobre esse assunto. Acredito que estamos entrando em uma era em que cada vez menos a igreja terá o direito de interferir na intimidade das pessoas, isso, porém, não significa que a igreja deva ser calada por pessoas que dela não fazem parte.
É inconcebível que se exija que a Igreja abra mão dos valores que milenarmente a guiam, montando a sua própria identidade. É necessário que haja um equilíbrio, que se retire a igreja da posição de opressora, porém sem coloca-la na posição de oprimida.
Desta maneira, precisamos convocar ambos os lados para a formulação de um discurso consensual que promova a amplitude democrática do convívio de diversas opiniões e identidades, formando um só corpo social capaz de conviver com suas diferenças. E nesse espaço democrático não há lugar para mordaças, nem para leis que tentam silenciar uma das partes.
É engraçado como o assunto em pauta tem a ver, na prática, com a elaboração desse pequeno escrito. Explico melhor, quando eu escolhia as palavras para colocar nos meus textos, eu fazia isso baseado no respeito e no bom senso, mas agora, eu faço isso com medo de ser processado. Ou seja, escrevo do mesmo jeito, porém com sensações diferentes. Meus melindres, agora, nada têm a ver com o respeito, mas com o medo, minhas limitações agora estão ligadas a uma imposição legal e não a um senso moral. Será que isso mudaria o meu interior, caso eu fosse homofóbico?
Caros, é preciso abandonar as armas da intolerância e nos apegarmos àquilo que nos une; a nossa humanidade. Eu continuo dizendo não a uma lei que me cala, que retira de mim o direito de discordar, o direito de ser igualmente humano, o direito de proclamar a minha fé. E continuo, simultaneamente, dizendo não aos discursos religiosos que oprimem pessoas por quaisquer motivos, principalmente pela sua opção sexual, querendo intervir na intimidade, no seu direito de ser humano sem ser cristão, sem participar do nosso padrão. O cristianismo já ensinou muito ao mundo sobre direitos humanos, não pode ser agora simplesmente acusado de feri-los, não pode agora voltar a ser instrumento de intransigência.
Sou a favor de uma convivência moralmente ajustada e não legalmente imposta; sou a favor da liberdade de expressão sem a covardia do anonimato, jamais de uma lei que impeça alguém de pronunciar as suas interpretações do mundo; sou a favor de uma educação transformadora que exerça mudanças de dentro pra fora e não de uma lei pseudolibertadora que, longe de libertar um grupo, aprisiona dois nas cadeias, cada vez mais fortes, da discriminação.


Um comentário:

Alexandre Roque disse...

Sábias palavras, Josemar. Mostram equilíbrio e bom senso. Quisera ambos os lados compreendessem um ao outro assim. Só faço uma ressalva quanto à máxima de que Deus abomina o pecado mas ama o pecador. Não no tocante à sua veracidade, mas no tocante ao conteúdo da expressão "pecado", que, inegavelmente, varia ao longo da história e ao sabor das interpretações. Isso exige um estudo mais profundo. Grande abraço!