O problema político brasileiro, a meu ver, está situado
sobre duas bases: a primeira diz respeito à propensão do povo brasileiro para
manter no poder aquelas pessoas que estiveram envolvidos em corrupção – mesmo
em casos comprovados a população costuma reeleger; a segunda base trata da
falta de uma gestão pública que imponha dificuldades reais para realização da
corrupção. Considero, no entanto, a segunda base bem mais importante do que a
primeira.
Apesar de haver uma grande crise moral instaurada no país e
de defender com unhas e dentes que uma verdadeira democracia só se faz com
alternância do poder, temos que entender que essa crise não é apenas moral, ela
é, sobretudo, gerencial. Seria improvável que encontrássemos pessoas moralmente
melhores do que aquelas que hoje estão no poder e mesmo que encontrássemos essas
pessoas tão ajustadas moralmente, elas teriam que, uma vez no poder, enfrentar
um sistema que por si mesmo é predisposto à corrupção.
O meu pai já ensinava: “a ocasião faz o ladrão”. Essa é a
realidade da administração pública brasileira, uma máquina de fazer ladrões.
Veja-se com que facilidade bilhões de reais desapareceram dos cofres da
Petrobrás; ou com que facilidade os bancos estatais (nomeadamente Banco do
Brasil e Caixa)foram utilizados de maneira ilegal para atender demandas
meramente políticas de um projeto de poder; ou ainda o uso do BNDES para
distribuir dinheiro indevidamente para pessoas interessadas em resgatar os
“investimentos” feitos nas campanhas políticas. Será que esses desvios
financeiros aconteceriam, por exemplo, em empresas privadas? Será que R$ 6
bilhões desapareceriam dos cofres de instituições como Votorantim, Bradesco,
Unilever, sem nada ser notado? A resposta evidente é não. Mas, por quê?
Será que as pessoas que trabalham no setor privado têm um
caráter mais elevado do que as pessoas que trabalham no setor público,
especialmente, em cargos eletivos? Não creio que seja possível fazer esse tipo
de julgamento! O que está óbvio nessa comparação entre a gestão pública e a
gestão no setor privado é a diferença gigante entre as formas de controle de
cada sistema. O sistema privado é ajustado com mecanismos que dificultam
desvios de dinheiro, mas ao mesmo tempo, são altamente eficazes nas suas finalidades;
enquanto que o sistema público funciona exatamente ao contrário, sendo
simultaneamente fraco no controle interno e ineficaz no cumprimento de suas
funções básicas.
Voltando, por um instante ao problema do caráter, defendo
que a alternância de poder em um estado democrático de direito é fundamental.
Mesmo que um gestor público esteja fazendo um excelente trabalho, ele deve ser
periodicamente substituído. Mas, isso não é tudo, a administração pública
carece de sustentabilidade, ou seja, precisa de uma sistematização dos seus
processos que impeça a ocorrência de disfunções financeiras ou de finalidade,
independentemente de quem a esteja gerindo. Isto é, o Estado precisa de gestão
pública eficaz. Mas, o que isso significa na prática?
Significa que o Estado Brasileiro precisa se reorganizar
gerencialmente, precisa desenvolver métodos que dificultem a corrupção e, ao
mesmo tempo, ajudem a focalizar naquilo que é sua atividade fim, a saber – o
bem estar social. Normalmente as pessoas generalizam sua visão política,
afirmando que “todo político é corrupto”. Na realidade, elas estão
olhando na direção errada, elas estão olhando para pessoas que se corrompem,
mas não estão vendo a realidade de um estado desorganizado propício à atividade
criminosa do desvio de verbas, da venda de influência e do descompromisso com o
cidadão.
Poderíamos, então, falar que o problema da corrupção no
Brasil é cultural? Acho complicado, pois isso nos afastaria do caminho de uma
solução real para o problema. Estaríamos assumindo que a corrupção é parte da
identidade de todo um povo ou, no mínimo, que é um valor positivo presente no
imaginário coletivo da população. Creio que isso seria bastante criticável.
Mas, o grande problema é que a admissão da corrupção como um problema cultural
seria, também, a transferência do problema da incompetência da gestão do erário
público para a identidade cultural de um povo inteiro.
Alguém pode, agora, estar pensando que ignoro o problema da
pequena corrupção, aquela em que o indivíduo sonega tributos, ou faz um “gato”
para roubar energia, ou engana na entrega de serviços e produtos, etc. Esse
nível de corrupção não pode ser considerado parte da cultura brasileira pelo
simples fato de que ele é considerado desprezível pela maciça maioria da população,
inclusive pelos seus praticantes. A pequena corrupção é fruto do caos jurídico
e disciplinar no Brasil, no final das contas da gestão pública que é, em larga
medida, responsável pelo bem-estar social e de cada cidadão (Bent Greve - Felicidade).
A má distribuição dos bens públicos (saúde, educação, renda,
meios de produção, etc.) coloca os participantes de uma sociedade em níveis
desiguais de concorrência pelo bem estar (Amartya Sem – A Ideia de
Justiça e Desenvolvimento como Liberdade). Fato que, em certa
medida, explica, embora não justifique, os pequenos delitos que chamamos de
pequena corrupção. A famosa lei de Gerson, que resume a ideia de “levar
vantagem em tudo”, não é própria da cultura brasileira, mas do estado de
materialismo e de individualismo de toda uma época. Portanto, vale para
brasileiros, alemães, americanos, dinamarqueses e todo o mundo. O que varia é a
forma como cada um desses povos presta conta de suas ações no interior de sua
sociedade.
Enfim, se admitirmos que o problema da corrupção no Brasil
seja cultural, caminharemos para a mais ferrenha e triste acomodação política
de um povo. Mais do que isso, caminharemos para uma inversão completa dos
juízos morais, atribuindo à cultura de uma nação um problema que é claramente
gerencial. Em resumo: onde há boa gestão, não há corrupção. A diferença entre o
Brasil e as noções mais e menos corruptas está justamente na qualidade da
gestão pública e NÃO no caráter, ou na cultura, dos seus povos.