sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A poderosa lição de Shrek

Qual é a cara do bem? Essa foi a minha primeira pergunta quando assisti Shrek há alguns anos. O fato é que nós fomos ensinados, desde o início da nossa infância, a relacionar as ideias de bom e belo, como se uma coisa dependesse da outra. As boas pessoas dos filmes e dos desenhos animados, dos livros e das obras de arte, são sempre pessoas bonitas. Pessoas consideradas feias, do ponto de vista da estética comum, dificilmente aparecem na televisão e quando aparecem jamais ocupam papeis principais em filmes ou novelas, nem são convidadas para fazer comerciais de produtos famosos. Para mim, Shrek subverte, de maneira magnífica, essa ditadura da beleza.
Antes que alguém faça juízos precipitados acerca das minhas primeiras palavras, quero dizer que não sou contra a beleza, nem contra a contemplação de coisas e pessoas bonitas, apenas quero chamar a atenção para a necessidade de garantir um equilíbrio que nos afaste dos preconceitos que, muitas vezes, impingem às pessoas feias os lugares inferiores na nossa sociedade. A lógica tradicional expressa em A Bela e a Fera, no Patinho Feio e na maioria dos clássicos da literatura infantil é que o bem se consolida quando o feio se torna belo. Isto é, quando o sapo vira príncipe é por que o bem prevaleceu. O problema desse raciocínio é que se trata de um belo meramente estético, do qual o bem em nada depende.
Em A Bela e a Fera, para citar um exemplo, a Fera já era boa no seu interior, o bem já se apresentava naquilo que de mais profundo havia em seu ser. Pense comigo: alguém que abre o seu castelo para um desconhecido, que cultiva com docilidade um belo jardim, que se apaixona e age com as mais belas demonstrações de amor por uma moça, apesar de cometer alguns erros, humanos erros, não deveria ser chamado de fera, nem precisar se transformar fisicamente para ser aceito como bom. Mas, o fato é que o desenho mostra, com muita aprovação por sinal, que se a Fera não se transformasse em um belo príncipe, ela estaria condenada a ser eternamente execrada pela sociedade.
Essa lógica da associação entre beleza física e bondade ganha corpo no imaginário popular, alicerçada na própria cultura religiosa e nas artes sacras. Veja-se o Cristo de olhos azuis, longos cabelos louros e barba bem feita que é apresentado nas artes sacras, veja-se a beleza tipicamente europeia da Santa Ceia de Da Vinci, homens brancos e louros que dificilmente corresponderiam ao fenótipo dos habitantes da palestina, veja-se, também, a beleza dos corpos de Jesus e Maria, beirando a sensualidade na Pietá de Michelangelo. Nas imagens dos santos e santas medievais, os corpos perfeitos, as curvas sublimes aproximavam, ou aproximam o santo do belo.
Esse tipo de associação é catastrófico, é base mundana para a formação dos preconceitos, é base para a desvalorização humana por razões meramente acidentais. Ao longo da história, inclusive na história de Israel, a beleza tem sido utilizada para justificar posições sociais. O caso de Saul o rei israelita escolhido por que era belo, o caso de Davi o jovem pequeno e sardento que foi desprezado pela própria família. Tudo isso revela como a beleza vem produzindo injustiças nas mais diversas camadas das estruturas sociais.
O pior de tudo é que essa associação nefasta entre beleza e bondade e entre feiura e maldade foi largamente desenvolvida pelo cristianismo medieval. Embora os pré-socráticos (filósofos gregos do período entre 700 e 450 a.C) já fizessem as primeiras reflexões sobre ordem, harmonia e beleza como definidoras do andamento perfeito do cosmos, a sua mitologia ainda não personalizava a beleza e a feiura, transformando pessoas feias em representações do mal. A deusa grega Pênia representa a pobreza e a penúria, mas, não era uma deusa feia no imaginário grego, pelo contrário, ela era belíssima, os romanos medievais a transformaram em um monstro. Eles criaram a ideia de que o Diabo é feio e Deus é bonito, de que os negros não tinham alma, e as suas artes fizeram todos os “santos” ficarem fisicamente bonitos. Essa tendência filosófica, cultural e religiosa atravessou toda a modernidade e chegou forte ao nosso tempo.
Por essa razão, gosto da inversão feita por Shrek. A beleza de Fiona não representa sua bondade, pelo contrário, representa a arrogância típica de quem se considera inserido nos padrões aceitos. O amor e o bem se manifestam em uma transformação inversa à lógica comum, Shrek não se transforma em um belo príncipe – como era de se esperar – Fiona, a bela princesa, se transforma em uma ogro, nesse momento o amor e o bem se revelam. Ao assistir o desenho pela primeira vez, espera-se justamente o contrário. Por que será? Que surpresa, quando tudo aponta para mais uma transformação do feio no belo... a bela se torna feia e afirma: "é isso que sou".
No segundo filme, o rei, pai de Fiona, extremamente preconceituoso, revela-se um feio e enrugado sapo, mostrando o que a beleza convencional escondia. Nesse ponto do filme, compreendo que não dá para fazer como Nietzsche, não dá apenas para dizer que a beleza é relativa. Isso pode ser verdade em uma perspectiva meramente individual, mas existe um padrão social de beleza, uma beleza aceita, aquela beleza que o Rei tinha e Shrek não. Esse padrão é determinado pelo que os filmes, novelas, artes plásticas e literatura, juntos, tentam impor. É justamente esse tipo de beleza que Shrek critica.
Agora volto à Nietzsche, sem contradições, sem relativismos, apenas em sua observação moral, a feiura, assim como a beleza, não existe. Elas duas são concepções particulares, embrulhos do sentimento humano. Mas, o problema, agora me distanciando do alemão, é que a sociedade sofre influências que formam os padrões dos quais falei e esses padrões geram preconceitos abomináveis. Em Shrek a feiura é bela, é humana, é individual e independente. Gosto dessa ideia, gosto da ideia de que pessoas feias e bonitas podem ocupar o mesmo espaço social, que seus fenótipos não estão ligados à sua interioridade, à sua capacidade de fazer o bem e o mal. Mas, quando a lição de Shrek será aprendida? Quando deixarão de escolher os seus relacionamentos apenas por causa da beleza estética? Quando as pessoas deixarão de imaginar que alguém é ladrão apenas por que está mal vestido? Quando as pessoas deixarão de se iludir com o belo e com o feio?

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Imediatismo Crônico

O brasileiro se alimenta do imediatismo! Faço essa afirmação com o desejo de denunciar a forma passiva e irrefletida que modela as interpretações que o nosso povo faz acerca de sua própria condição social. Na semana passada, para citar um exemplo prático, foi divulgada mais uma pesquisa sobre a popularidade da presidente Dilma Rousseff, uma aprovação altíssima do seu governo foi apontada pelos brasileiros. Até aí tudo bem, o que acho estranho nessa pesquisa é que as pessoas que deram quase 90% de aprovação a esse governo classificaram, na mesma consulta, a educação e a saúde brasileiras como péssimas. Como isso é possível? Como é ótimo um governo em que a educação e a saúde são péssimas?
A resposta não é simples, tem muitas variáveis, mas, no meu ponto de vista, a passividade imediatista do brasileiro, isto é, esse contentamento com migalhas, é fator crucial para essa apatia política que observamos. Os pobres estão contentes com as bolsas, não se preocupam com o seu desenvolvimento, não olham para o futuro, querem apenas um pouco de dinheiro agora, não exigem nada que mude suas perspectivas. A classe média está imensamente feliz com o crédito fácil, comprando e comprando. Sem perceber o achatamento do seu poder aquisitivo, antecipa os seus desejos e se envolve em dívidas cada vez maiores (a classe média tem o maior endividamento da história, em média 41% dos rendimentos mensais comprometidos com dívidas acima de 12 meses, a maior inadimplência de todos os tempos, 25% das pessoas que possuem cartões de crédito estão com atrasos superiores a três meses – dados do IPEA e IBGE, divulgados em 10/07/12 pela Globo News). Os ricos, por sua vez, são constantemente favorecidos por programas de incentivo ao consumo que reduzem temporariamente os impactos da crise financeira internacional e alimentam os bolsos dos mais abastados. Além disso, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que não apresenta nenhuma proposta de longo prazo, nem nenhum favorecimento real à indústria nacional, abre caminho para a corrupção em todo o país. Ou seja, todos estão, de alguma maneira, contentes, estupidamente felizes. Por isso, ninguém reclama de nada.
Acontece que o crescimento de médio e longo prazo do Brasil está seriamente comprometido pela falta daqueles dois pontos que os brasileiros negligenciaram ao dar sua opinião sobre o atual governo, educação e saúde. Basta refletir sobre outra questão prática, como é que em um país que possui 16 milhões de desempregados pode sobrar 100 mil vagas apenas no setor de tecnologia da informação e comunicação e outras cinquenta mil nas áreas de indústria e serviços? A resposta está na falta de educação e de condições sociais de trabalho. O capital disponível para investimento de longo prazo ao redor do mundo cresceu 5% em relação a 2011, alcançando a marca de 1,6 trilhões de dólares. No entanto, segundo o Banco Mundial, a intensão de aplicação no Brasil caiu 19%. A justificativa dos investidores internacionais está centrada na falta de: 1) ambiente institucional e regulatório adequado, ou seja, política econômica e poder judiciário confiáveis; 2) infraestrutura compatível com as projeções de crescimento econômico e, 3) educação em nível técnico e superior que possam prover o mercado de mão de obra suficientemente qualificada para o atendimento das demandas das empresas.
A cegueira em relação à educação é o que mais me impressiona, como se pode deixar de perceber que a sustentabilidade do progresso econômico que o Brasil está experimentando hoje depende essencialmente da qualificação profissional e das projeções analíticas das ciências sociais? É necessário que o Brasil invista em programa de educação de alto nível, que ofereça vagas suficientes para a população em todos os níveis educacionais, que desenvolva um tipo de assistencialismo que transforme os desvalidos em pessoas qualificadas para o trabalho e para a reflexão social. Sem isso, o país continuará amargando a desigualdade social e baixos índices de desenvolvimento por muito tempo. Veja que os programas de restauração da Alemanha e do Japão, dois países destruídos na Segunda Guerra Mundial, foram alicerçados no desenvolvimento massivo da educação. Quando falo de desenvolvimento massivo, falo que esses países desenvolveram instituições de ensino e valorizaram o seu corpo docente ao ponto de se tornarem referências mundiais. Aqui, dou uma alfinetada no programa Brasil sem Fronteiras, que é maravilhoso, mas precisa ser acompanhado de um desenvolvimento do sistema educacional no Brasil, não dá para ficar dependendo da formação no exterior.
Enfim, precisamos de certo pessimismo para poder desenvolver. Sim, precisamos de pessimismo para sair do canto, para nos mover, esse excesso de otimismo está matando o nosso país. Está na hora de desacreditar, está na hora de contestar o futuro da nossa nação e de oferecer às próximas gerações um futuro planejado. Isso só será possível se houver investimentos reais na educação brasileira. Para se ter uma ideia, o Brasil, por incrível que pareça, no início dos anos 1990, destinava 6,5% dos seu PIB para a educação, este percentual caiu para 4,1% no atual governo. Em 1994, o então presidente da república, FHC, um dos principais responsáveis pela desvalorização do profissional educador, vetou um projeto que colocaria 7% do PIB a disposição da educação no Brasil, esse projeto incluía aumentos progressivos do investimento até atingir 10%. Quando Lula assumiu o governo em 2002, infelizmente, manteve o veto e Dilma acompanhou. Lá se vão 18 anos de atraso nos investimentos para um desenvolvimento realmente sustentável do nosso Brasil.
Espero que com um pouco de pessimismo, ou seja, prestando mais atenção ao que realmente está acontecendo, o brasileiro consiga mudar esse quadro e se qualificar para participar efetivamente do seu futuro.


sábado, 30 de junho de 2012

O Retorno da AIDS

A AIDS está de volta! Mas, como assim de volta? É que no final da década de 1990 o governo federal realizou uma grande campanha de conscientização e prevenção contra essa terrível síndrome. Na ocasião, o número de casos em todo o Brasil baixou significativamente. Infelizmente esse número voltou a crescer de maneira preocupante, atingindo principalmente os jovens. Essa é uma notícia lastimável e que, evidentemente, eu não gostaria de dar. Mas, o Ministério da Saúde está seriamente preocupado, ao ponto de externar publicamente a situação.
Mas, afinal, o que está havendo? Por que a AIDS, antes controlada, volta ao cenário das preocupações nacionais? É muito simples, a AIDS voltou por causa da mentira! Pior ainda, da mentira construída publicamente. Quantas campanhas publicitárias foram divulgadas inventando que o “portador do HIV” tem uma vida normal como a de outra pessoa qualquer? Antes que você, leitor politicamente correto, apresente argumentos em favor desse tipo de comunicação pública, eu quero lhe dizer que sei que é uma tentativa de suprimir os preconceitos, mas é uma tentativa burra.
É necessário voltar a informar que AIDS é uma doença e que ela mata, alertando para o fato de que o doente de AIDS – que não é portador de nada, mas um doente – tem uma vida altamente regrada, depende de medicamentos que cumprem as funções que deveriam ser realizadas pelo seu organismo, que, embora possa passar tempos sem apresentar sintomas, a sua capacidade imunológica está comprometida para sempre, pois a AIDS não tem cura. A comunicação contra o preconceito é outra história.
Mas, por que um discurso tão duro? Em primeiro lugar, por que foi esse discurso que salvou milhares de vidas nos anos 90 e começo dos anos 2000. Em segundo lugar, por que a AIDS é uma doença que tem causas comportamentais. Para ter uma ideia, em 1994, o percentual de pessoas sexualmente ativas no Brasil que declararam ter mais de cinco parceiros sexuais por ano era 4%, em 2012 esse número subiu para 12%. Desse mesmo grupo – das pessoas sexualmente ativas do Brasil – 97% declararam ter conhecimento e acesso aos meios de prevenção da AIDS, porém a esmagadora maioria não faz uso dos recursos que conhece para se prevenir.
O problema, portanto, não é a falta de conhecimento sobre os meios de prevenção, o problema está em uma cultura de defesa equivocada da sexualidade inconsequente. Liberdade sem o seu contraponto, ou seja, sem responsabilidade. Antes a problemática era centrada no equívoco de que a AIDS não poderia acontecer comigo, agora a coisa é pior: ainda que a AIDS aconteça comigo, não tem problema, terei uma vida normal. Isso é consequência da alienação politicamente correta, da mentira suave, que se elabora em uma tentativa aleijada de resolver o problema do preconceito sem avaliar o infortúnio da doença e seus agraves sociais.
O filósofo Luís Felipe Pondé adverte, em seu livro O Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, que esse discurso esquerdista, amplamente divulgado nas universidades e em alguns ambientes de falsa intelectualidade, proclama-se correto, mas é, na realidade, tosco, inconsequente e, em grande parte das vezes, inútil. Eu concordo plenamente com ele. O problema do retorno da AIDS, que tomo como exemplo para essa reflexão, é uma evidência prática de que os discursos são expressões da consciência e das práticas de vida, com isso quero dizer que o discurso expressa a consciência de quem o proclama e interfere na vida prática de todos os que o assumem sem reflexão.
É necessário dar um grito contra essa ideia ditatorial. Contra esse discurso hipócrita e arrogante que se intitula “correto”, sem se abrir para a discussão contraditória. Discurso incompleto em sua concepção, pobre e vazio em sua conclusão. Além do problema do retorno da AIDS, o discurso politicamente correto tem trazido sérios transtornos à educação, à aplicação da justiça, às reflexões éticas e muitos outros temas que envolvem o nosso cotidiano. Quero pegar carona em Pondé e colaborar com as denúncias contra essa falsa democracia que se instala a partir de um discurso, realçando que democracia verdadeira se instala a partir de uma construção dialógica, em que opiniões contraditórias têm a mesma participação na reflexão.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Saudade

Dizem, não sei por que, que saudade é palavra sem tradução. Deve ser alguma definição linguística mais complexa, ou um desses mitos que são criados na sabedoria popular. Em alemão, por exemplo, [das] heimweh é o vocábulo utilizado para se referir à saudade. Em inglês, miss traduz, não sei com que grau de perfeição, se não a palavra, a emoção. Por isso, nunca entendi essa afirmação. Mas, tudo bem! Na verdade é outra coisa que me interessa: o sentimento em si.
Escolhi esse tema por que percebi que a saudade é algo que me incomoda muito no dia a dia. Viajo toda semana, deixo minha esposa, minha casa, meu lar. Cada partida é uma dor, cada retorno é uma festa. Mas, quando estou longe, ah... isso eu não sei explicar, nem em português, nem em língua nenhuma. O fato é que a minha trajetória sempre teve um pouco disso, quando solteiro era os meus pais que eu deixava, os meus irmãos, também, obviamente, faziam muita falta. Quando meu pai se foi para sempre, a situação ficou assim: semanalmente eu estou longe, diariamente sinto saudade.
Então, hoje, decidi filosofar sobre a saudade e a linguagem. Nesse sentido, o fato mais importante é que mesmo admitindo-se que saudade é palavra sem tradução, não se pode concluir que esse sentimento seja exclusivo dos corações de língua portuguesa. Em grego, inglês, latim ou alemão a dor seca e vazia da ausência daquilo, daquele ou daquela que outrora esteve presente e agora não mais está encontra suas expressões no idioma ou, simplesmente, nas linguagens do sofrimento.
A saudade é linguisticamente indefinida, ou, pelo menos, mal definida. Todas as vezes que se tenta explicá-la, uma lacuna fica no ar. Afinal, como definir, em palavras, um sentimento que se constrói com base na ausência? Perdoem-me se sou demasiadamente filosófico nesse momento, mas a ausência é inexistência, distanciamento; é, na melhor das hipóteses, aquilo que estava próximo e não está mais, ou, no pior ângulo, aquilo que nunca foi ou nunca esteve presente. Muita filosofia, não é? Desculpem-me, mais uma vez. Mas, esse é o mistério, como se pode definir o vazio? Como se pode explicar aquilo que se sente por não se ter, aquilo que se percebe, mas não está ali?
No início desse texto, utilizei a língua alemã como exemplo; não foi à toa. Uma poetisa alemã, chamada Homeschneider, escreveu que “saudade é a presença ausente da pessoa amada”. Foi a primeira vez, talvez a única, que vi alguém se referir à saudade como presença e isso é mais que poesia, isso é uma perspectiva inovadora e profunda para uma questão filosófica e existencial. Uma forma completamente diferente de todas as anteriores de se aproximar do que é saudade. Quando sinto saudade, não é a ausência que se manifesta em meu ser, mas a presença. Isso é muito inspirador e – por que não dizer? – consolador. É a presença de minha esposa que me acompanha quando estou com saudade, é presença do pai que sinto quando choro.
Que bom! Essa perspectiva me mostra que, em meio a lágrimas ou sorrisos, a saudade traz para perto, traz para dentro de nós a presença de quem amamos. Ela traz para a nossa intimidade a força das lembranças suaves das experiências vividas em outros momentos. A saudade, dir-se-ia, filosoficamente falando, é o retrato de um fenômeno que fica registrado no campo da memória. Porém, mais que isso, digo, a saudade é o retorno do próprio fenômeno, é a sensação de que tudo é como era. A saudade é um continuum, uma certeza de que nada deixou de ser.
Saudade gira em torno da esperança, não do desespero; saudade gira em torno do bem que se teve, não da perda; saudade não aparece, nem desaparece, ela é apenas um reagente do amor que outrora construiu algo dentro de nós. 
A saudade não é dominadora, não toma conta da realidade! A saudade não pode impedir os próximos passos, não pode nos prender no passado, não pode desmotivar o desejo de se construir um futuro ainda melhor do que o passado.  A saudade não pode nos impedir de viver o hoje, o agora, pois ela não é razão para se viver, mas apenas inspiração para continuar a jornada. Sentir saudade não é viver para recordar, mas recordar para continuar vivendo e buscando novas razões para se ter saudade.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Essa Violência tem Culpados?

Até quando pessoas inocentes como Bruno Ernesto, ou como qualquer um de nós, vão ser reféns da falta de segurança em nosso país? Essa é a pergunta que muitos estão fazendo. E, aqui, eu quero engrossar o coro. Só tem uma coisa, eu quero fazer essa mesma pergunta às pessoas que insistem em votar nos mesmos canalhas de sempre; eu pergunto isso a quem vota por interesse próprio, por dinheiro ou por um empreguinho porqueira; eu quero perguntar isso aos puxa-sacos que ficam cercando os políticos igual a mosca de padaria; pergunto isso a vocês, seus ridículos, que ao invés de trabalhar, de cuidar de suas vidas, ficam vendendo o seu voto e trocando sua segurança, e a da sociedade em geral, por migalhas.
Cada povo tem o governo que merece! Esse é um sábio adágio popular que endosso agora. Estou mesmo revoltado e me recurso a qualquer reflexão conformista. O Brasil está investindo bilhões de dólares em uma copa do mundo, para quê? Para ficarmos iguais a África do Sul? Cheios de analfabetos pulando feito uns animais embasbacados ao redor de um estádio em que jamais terão o direito de entrar por que não têm dinheiro para comprar um ingresso? Desde 2009 que os professores federais não recebem um pequeno reajuste dos seus salários, mas a presidente continua com os discursos demagógicos, próprios do seu partido, sobre o investimento em educação. Depois vamos simplesmente falar que o brasileiro não tem educação, que o sueco é que é educado. Falta dinheiro para tudo no Brasil, na semana passada foram cortados R$ 1,03 bilhão do orçamento para segurança pública. Mas, o nosso governo está em Havana emprestando R$ 1,3 bilhão ao governo cubano para manter o seu regime opressor, que casa muito bem com ideologia dos nossos governantes.
Votem! Continuem votando nesses canalhas. Sabe por quê? Por que, infelizmente, sou obrigado a reconhecer, os bandidos que mataram Bruno Ernesto são vítimas dessa corja que está no governo.
Bruno foi mais um trabalhador, talentoso trabalhador, – sei que ele era extremamente talentoso por que trabalhei com ele – vitimado pela incompetência do povo brasileiro. Do povo? É do povo. Não adianta ficar culpando os políticos, nem o judiciário, pois os políticos estão lá por que o povo os coloca e recoloca onde estão. Sem nenhuma reflexão séria, estamos gastando o nosso tempo à toa, estamos discutindo tolices, assistindo o BBB, conversando sobre novela e dizendo: “eu detesto política” (detesto quem diz isso). Tenho visto, por exemplo, nas redes sociais uma campanha ridícula contra os direitos humanos, pessoas que se julgam sábias, intelectuais, usando o espaço público para protestos sem pé nem cabeça. Por que essas pessoas não ocupam o seu tempo expressando pensamentos sérios, produtivos e bem elaborados? Por que os poucos brasileiros que tiveram acesso à educação não se ocupam em produzir uma reflexão política descente para promover dignidade ao nosso povo?
Os direitos humanos são absolutamente necessários, não é defesa de marginal – como alguns pensam. O fato é que o problema da segurança pública é político e não jurídico. O problema da segurança pública está ligado à justiça, mas sob outro ponto de vista. As pessoas se tornam agressivas e se desviam de um comportamento social aceitável por que esse é o mundo que elas conhecem, por que essa é a realidade que as cerca, por que não têm acesso à educação que o governo insiste em dizer que está promovendo, nem aos recursos materiais que desejam ter. Claro que isso não justifica o assassinato, nem qualquer tipo de violência. Mas, acontece que não é fechando os olhos e fingindo que se está fazendo tudo que se pode que vamos resolver esse problema.
Vamos olhar uma coisa só: a Paraíba esteve 24 anos nas mãos de dois grupos políticos, que no início eram o mesmo grupo, e, agora, parece que vão ser de novo. O Brasil vai completar 12 anos nas mãos do mesmo partido e pelo andar da carruagem vamos para mais 12. Qual é a diferença que temos dos governos totalitaristas da Ásia e da África? Democracia não se faz apenas com eleições se faz com renovação e com consciência. Quer melhorar o Brasil? Pare de culpar os políticos, para de ser fatalista, envolva-se, mude, por que é impossível melhorar sem mudar.
Querem fazer uma campanha descente no Facebook? Que tal essa: NÃO REELEGER ABSOLUTAMENTE NINGUÉM, NEM DO LEGISLATIVO, NEM DO EXECUTIVO. Dessa forma poderemos dizer: não estamos contentes com o que temos visto. Dessa forma estaremos mostrando que não aceitamos mais que vidas como a de Bruno Ernesto e as de tantos outros anônimos sejam ceifadas do nosso meio. Assuma a responsabilidade.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pornô Gospel?

Um assunto no mínimo inusitado tem tomado conta das redes sociais, aparecido nas televisões e causado um novo frenesi nos bastidores do mundo cristão, trata-se da pornografia gospel. A ideia, defendida por um site americano chamado “Sex in Christ”, tem se espalhado ao redor do mundo e provocado muita polêmica. Os autores do “Sex in Christ” defendem a criação de um entretenimento adulto para casais cristãos. Filmes, revistas e outros materiais que possam “melhorar as relações sexuais e sensuais dos crentes”. Para eles, “a maioria dos guias sexuais cristãos são vagos ou recatados, omitindo os detalhes gráficos”.

Nessa proposta, algumas regras devem ser seguidas: 1) somente casais casados devem atuar nesses filmes; 2) as cenas devem retratar sexo com um contexto de casamento cristão; 3) os filmes devem ser instrutivos; 4) marido e mulher devem estar de acordo; 5) nada de sexo extraconjugal, a não ser para ilustrar as quedas de adultério; 6) deve ser inspirador para o fortalecimento do casamento cristão e da sua fé; 7) não deve conter palavrões.

Eu gostaria muito de ser puro ao ponto de ver pureza nisso tudo. Infelizmente, o que vejo é muita hipocrisia e, acima de tudo, interesse em um mercado que movimenta bilhões de dólares todos os anos. A indústria pornográfica se tornou uma das mais bem remuneradas do mundo e isso é extremamente atrativo para pseudo-cristãos que querem uma lasquinha desse mercado. Visto que, segundo o site, já existem cristãos trabalhando na indústria pornô – resta saber se são, de fato, cristãos.

O texto do site “Sex in Christ” faz alusão ao livro de Cantares e diz acertadamente que aquele livro descreve uma relação sensual entre um homem e sua esposa, mas exagera ao compará-lo com os conteúdos eróticos dos dias de hoje. E pior ainda, o autor do site foi leviano ao tentar utilizar esse livro das Escrituras como forma de justificar os interesses particulares de um mercado multibilionário ou mesmo de uma teologia liberal que não se importa em distorcer as palavras bíblicas, insistindo em dizer que não existe uma interpretação da verdade.

Para entender um pouco melhor. A palavra grega “pornéia” – que, como se percebe, dá origem a atual palavra pornô – é utilizada biblicamente para descrever a imoralidade sexual e o faz de tal forma que essa é a palavra utilizada pelo próprio Jesus Cristo para falar sobre casamentos irremediavelmente destruídos (Mt 19:9 – em breve posso postar, caso haja interesse, uma exegese mais profunda desse texto, explicitando o por que ele está sendo citado aqui). Nesse contexto, o que realmente importa, é que a palavra “pornéia” é uma alusão clara ao sexo que extrapola os limites da intimidade conjugal, envolvendo, de qualquer maneira, a participação de terceiros. O exibicionismo também é uma forma de “pornéia”.

A pornografia tem gerado vícios ao redor do mundo. Existem milhares, talvez milhões, de pessoas vivendo na dependência dela, uma verdadeira escravidão que os impede de trabalhar, de estudar, de cuidar de si e de suas famílias, de ter uma vida socialmente saudável. Ali são apresentados padrões de beleza e de desempenho que não são comumente encontrados em casa. Isso, no mínimo, vai provocar, nos casais que assistirem a esses filmes, o desejo pelos corpos apresentados nos materiais pornográficos, ou seja, adultério. Jesus afirma que “qualquer que olhar para uma mulher para desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração” (Mt 5:28). Como alguém vai assistir intencionalmente um casal bonito fazendo sexo publicamente e não vai desejar? É muita hipocrisia dizer o contrário.

Concordo que a Igreja precisa falar mais abertamente sobre sexo, que a bíblia deve ser investigada profundamente para esclarecer as questões sexuais, que a Igreja tem negligenciado o tema do sexo sem se dar conta do quanto ele é importante para os tempos atuais. Porém, transformar isso em filmes que apresentem detalhes gráficos, ou seja, que exiba o ato em si; ultrapassa os limites do bom senso e do amor aos fracos. A Igreja deve ter, no mínimo, a responsabilidade de não incentivar atitudes que ponham em risco a saúde física e mental dos seus fieis, bem como tem a obrigação de evitar o escândalo. A educação sexual em lugar nenhum, nem no meio secular, é feita a partir de filmes pornográficos, isso é uma sandice, ou melhor, isso, com certeza, possui ares de uma entre duas possibilidades: 1) uma teologia liberal extremamente arraigada no coração inconsequente de pessoas que desejam fazer o bem, mas divagam sem as devidas reflexões; ou, 2) o já mencionado interesse na multibilionária indústria do sexo.

Gostaria até de aprofundar mais a questão, no entanto, o texto está ficando muito grande. Espero que seja suficientemente esclarecedor ou provocativo o suficiente para se construir uma reflexão mais profunda sobre o tema. Um texto correlato que escrevi há algum tempo pode ajudar na reflexão, chama-se O Pornô e a (des)humanização do sujeito.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Martin Luther King, a sociedade e a Bíblia

Esta semana, precisamente no dia 15 de janeiro, o Dr. Martin Luther King Jr. completaria 83 anos de idade. Ele foi, certamente, um dos maiores ícones da luta por liberdade e igualdade da história da humanidade. Em um discurso apaixonado – que tem sido considerado um dos cem maiores discursos da história – ele afirmava: “eu tenho um sonho”. Esse sonho lhe custou a própria vida, mas esse é o grande legado de Luther King, o exemplo de alguém que sabia no que acreditava e sabia que valia a pena viver e morrer por isso.

Movido por valores muito maiores do que a maioria das pessoas poderia entender, o sonho de Luther King é, de fato, um ousado projeto de fé e de sólido humanitarismo. A luta por ele encampada foi inexoravelmente baseada na certeza de que todos os seres humanos foram criados iguais e que por isso podem chamar uns aos outros de irmãos. Em suas palavras:


Quando deixarmos soar a liberdade, quando a deixarmos soar em cada povoação e em cada lugarejo, em cada estado e em cada cidade, poderemos acelerar o advento daquele dia em que todos os filhos de Deus, homens negros e homens brancos, judeus e cristãos, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar com as palavras do antigo spiritual negro: "Livres, em fim. Livres, em fim. Agradecemos a Deus, todo poderoso, somos livres, em fim”.



A luta de Luther King, infelizmente, ainda não encontrou o seu fim. Esse dia, sonhado em seu discurso, ainda não chegou! Pelo contrário. Essa luta tem se tornado cada dia mais cruel, envolvendo não apenas a violência física, mas as violências que se manifestam de maneira difusa. Falo aqui daquelas violências que atingem o interior das pessoas, não o seu exterior, violências que debilitam sua autoestima, sua fé, sua moral, fazendo-lhes sentir-se como meros objetos em uma luta desenfreada por dinheiro e poder.
O mais interessante é que Martin Luther King Jr. encontrou na bíblia a fonte de inspiração para a luta pelos direitos civis e humanos que tanto defendeu. Em 1956, escreveu uma linda carta em que ele falava como se fosse o Apóstolo Paulo escrevendo aos americanos daquela época. Disponível, em inglês, no blog de Ed Stetzer, que dedica essa semana a estudos interessantíssimos sobre Luther King e sua luta pelos direitos civis: (http://www.edstetzer.com/2012/01/martin-luther-king-jr-a-letter.html).
Quero apenas concluir, dizendo que Luther King deixa para nós uma hermenêutica social da palavra de Deus. Ou seja, ele nos faz refletir sobre as inquietações que a bíblia deveria estar provocando nos corações do nosso tempo. A sua história não nos permite continuar inertes na luta pelos direitos humanos, na luta pela dignidade do ser humano, na luta pela concretização dos planos de Deus para a humanidade caída. Luther King jamais empunhou outra arma que não tenha sido a fé inamovível em um Cristo vivo.

Leia também: http://www.edstetzer.com/2012/01/a-closer-look-the-bible-and-ci.html um texto muito interessante, no qual o Kevin L. Smith fala sobre a relação de Luther King faz entre a sua luta pelos direitos civis e a bíblia. Vale a pena.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Democracia no ciberespaço

A palavra “democracia” tem tomado um significado cada vez mais profundo na chamada “era do conhecimento”. Cada pessoa, nesse mundo informatizado, – e, para não fugir a minha mania de neologismos, internetizado – tem a possibilidade de produzir e publicar os seus próprios conteúdos em uma espécie de universo paralelo que forma outra realidade em conjunto com o mundo comum. Já não é mais necessário ficar limitado ao recebimento das produções dos canais convencionais de comunicação.
A onda da interatividade está tomando conta do mundo, qualquer um com uma câmera digital na mão, um pouco de criatividade e acesso à Internet pode ser a nova sensação dos veículos de comunicação do país e até do mundo. Com pouquíssimas restrições, um mundo quase ilimitado se abre diante da nova geração, possibilitando a publicação de músicas, filmes, imagens, textos que, à sua própria forma, comunicam a mensagem livre de cada indivíduo.
Parece uma fábula que se torna verdade, o sociólogo Ely Chinoy, no início da década de 1960, já prenunciava que no final do século XX um adolescente trancado em seu quarto teria acesso a mais informação e diversão do que um Czar russo podia ter em toda a sua vida no final do século XIX. Nesse turbilhão de informações, onde a cada dia são postados cerca de 75.000 novos vídeos no YouTube e oito milhões de novos posts na blogosfera, uma pergunta precisa ser feita: estamos preparados para isso?
O grande problema é que a falta de limites e mesmo de legislações específicas para o universo cibernético tem conduzido as pessoas a um novo comportamento social ainda não definido, porém que precisa ser analisado. O acesso a esse gigantesco mundo de conteúdos requer a formação de uma consciência normativa que indique os caminhos que se deve tomar para a construção do que está por vir.
A democracia verdadeira não se forma apenas dando acesso ao espaço público, mas principalmente formando pessoas capazes de contribuir com ele. Não se trata de mera instrução técnica, mas de educação no sentido mais profundo e amplo da palavra. Os indivíduos desejam reconhecimento de suas habilidades, dos seus talentos, dos seus projetos, em fim, de sua persona; querem se apresentar ao mundo mostrando aquilo que lhes abriria espaço para uma efetiva participação na vida pública. Porém, esse projeto individual, ou mesmo individualista, de “mostrar-se ao mundo” escapa, em grande parte das vezes, a qualquer senso de participação social. O ser do outro tem sido frequentemente esquecido, ou pior, ignorado, no projeto de reconhecimento individual.
Ou seja, a despreocupação com a qualidade e com as consequências dos conteúdos postados na Internet é uma atitude de dessocialização – definindo dessocialização como o extremo oposto da socialização. A Internet, que deveria ser um espaço de construção social, tem se tornado, cada vez mais, local de individualização do sujeito, marcada por desrespeito e descompromisso social. Conteúdos elaborados com o intuito de ridicularizar pessoas, de transferir ódio, de manipular situações, sem falar das pornografias e pornofonias, são elementos de separação social cada vez mais presentes na rede. E como se não bastasse, esse tipo de conteúdo ocupa sempre os tops das mídias sociais.
Não quero aqui propor qualquer tipo de censura à Internet, mas, tão somente, deixar clara a necessidade de uma educação transformadora, que posicione os indivíduos em um caminho de verdadeira cidadania. Relembrar a necessidade de que a educação cumpra o seu papel de promover um bem social e não fabrique indivíduos sem compromisso com o mundo que os acolhe. Chega da política da troca, do interesse particular dominando o interesse público. É urgente que os espaços públicos, virtuais ou não, sejam utilizados de maneira construtiva e produtiva. Isso só pode acontecer por meio de uma educação que não forme indivíduos, mas cidadãos, sujeitos participantes da vida comunitária.