quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pornô Gospel?

Um assunto no mínimo inusitado tem tomado conta das redes sociais, aparecido nas televisões e causado um novo frenesi nos bastidores do mundo cristão, trata-se da pornografia gospel. A ideia, defendida por um site americano chamado “Sex in Christ”, tem se espalhado ao redor do mundo e provocado muita polêmica. Os autores do “Sex in Christ” defendem a criação de um entretenimento adulto para casais cristãos. Filmes, revistas e outros materiais que possam “melhorar as relações sexuais e sensuais dos crentes”. Para eles, “a maioria dos guias sexuais cristãos são vagos ou recatados, omitindo os detalhes gráficos”.

Nessa proposta, algumas regras devem ser seguidas: 1) somente casais casados devem atuar nesses filmes; 2) as cenas devem retratar sexo com um contexto de casamento cristão; 3) os filmes devem ser instrutivos; 4) marido e mulher devem estar de acordo; 5) nada de sexo extraconjugal, a não ser para ilustrar as quedas de adultério; 6) deve ser inspirador para o fortalecimento do casamento cristão e da sua fé; 7) não deve conter palavrões.

Eu gostaria muito de ser puro ao ponto de ver pureza nisso tudo. Infelizmente, o que vejo é muita hipocrisia e, acima de tudo, interesse em um mercado que movimenta bilhões de dólares todos os anos. A indústria pornográfica se tornou uma das mais bem remuneradas do mundo e isso é extremamente atrativo para pseudo-cristãos que querem uma lasquinha desse mercado. Visto que, segundo o site, já existem cristãos trabalhando na indústria pornô – resta saber se são, de fato, cristãos.

O texto do site “Sex in Christ” faz alusão ao livro de Cantares e diz acertadamente que aquele livro descreve uma relação sensual entre um homem e sua esposa, mas exagera ao compará-lo com os conteúdos eróticos dos dias de hoje. E pior ainda, o autor do site foi leviano ao tentar utilizar esse livro das Escrituras como forma de justificar os interesses particulares de um mercado multibilionário ou mesmo de uma teologia liberal que não se importa em distorcer as palavras bíblicas, insistindo em dizer que não existe uma interpretação da verdade.

Para entender um pouco melhor. A palavra grega “pornéia” – que, como se percebe, dá origem a atual palavra pornô – é utilizada biblicamente para descrever a imoralidade sexual e o faz de tal forma que essa é a palavra utilizada pelo próprio Jesus Cristo para falar sobre casamentos irremediavelmente destruídos (Mt 19:9 – em breve posso postar, caso haja interesse, uma exegese mais profunda desse texto, explicitando o por que ele está sendo citado aqui). Nesse contexto, o que realmente importa, é que a palavra “pornéia” é uma alusão clara ao sexo que extrapola os limites da intimidade conjugal, envolvendo, de qualquer maneira, a participação de terceiros. O exibicionismo também é uma forma de “pornéia”.

A pornografia tem gerado vícios ao redor do mundo. Existem milhares, talvez milhões, de pessoas vivendo na dependência dela, uma verdadeira escravidão que os impede de trabalhar, de estudar, de cuidar de si e de suas famílias, de ter uma vida socialmente saudável. Ali são apresentados padrões de beleza e de desempenho que não são comumente encontrados em casa. Isso, no mínimo, vai provocar, nos casais que assistirem a esses filmes, o desejo pelos corpos apresentados nos materiais pornográficos, ou seja, adultério. Jesus afirma que “qualquer que olhar para uma mulher para desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração” (Mt 5:28). Como alguém vai assistir intencionalmente um casal bonito fazendo sexo publicamente e não vai desejar? É muita hipocrisia dizer o contrário.

Concordo que a Igreja precisa falar mais abertamente sobre sexo, que a bíblia deve ser investigada profundamente para esclarecer as questões sexuais, que a Igreja tem negligenciado o tema do sexo sem se dar conta do quanto ele é importante para os tempos atuais. Porém, transformar isso em filmes que apresentem detalhes gráficos, ou seja, que exiba o ato em si; ultrapassa os limites do bom senso e do amor aos fracos. A Igreja deve ter, no mínimo, a responsabilidade de não incentivar atitudes que ponham em risco a saúde física e mental dos seus fieis, bem como tem a obrigação de evitar o escândalo. A educação sexual em lugar nenhum, nem no meio secular, é feita a partir de filmes pornográficos, isso é uma sandice, ou melhor, isso, com certeza, possui ares de uma entre duas possibilidades: 1) uma teologia liberal extremamente arraigada no coração inconsequente de pessoas que desejam fazer o bem, mas divagam sem as devidas reflexões; ou, 2) o já mencionado interesse na multibilionária indústria do sexo.

Gostaria até de aprofundar mais a questão, no entanto, o texto está ficando muito grande. Espero que seja suficientemente esclarecedor ou provocativo o suficiente para se construir uma reflexão mais profunda sobre o tema. Um texto correlato que escrevi há algum tempo pode ajudar na reflexão, chama-se O Pornô e a (des)humanização do sujeito.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Martin Luther King, a sociedade e a Bíblia

Esta semana, precisamente no dia 15 de janeiro, o Dr. Martin Luther King Jr. completaria 83 anos de idade. Ele foi, certamente, um dos maiores ícones da luta por liberdade e igualdade da história da humanidade. Em um discurso apaixonado – que tem sido considerado um dos cem maiores discursos da história – ele afirmava: “eu tenho um sonho”. Esse sonho lhe custou a própria vida, mas esse é o grande legado de Luther King, o exemplo de alguém que sabia no que acreditava e sabia que valia a pena viver e morrer por isso.

Movido por valores muito maiores do que a maioria das pessoas poderia entender, o sonho de Luther King é, de fato, um ousado projeto de fé e de sólido humanitarismo. A luta por ele encampada foi inexoravelmente baseada na certeza de que todos os seres humanos foram criados iguais e que por isso podem chamar uns aos outros de irmãos. Em suas palavras:


Quando deixarmos soar a liberdade, quando a deixarmos soar em cada povoação e em cada lugarejo, em cada estado e em cada cidade, poderemos acelerar o advento daquele dia em que todos os filhos de Deus, homens negros e homens brancos, judeus e cristãos, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar com as palavras do antigo spiritual negro: "Livres, em fim. Livres, em fim. Agradecemos a Deus, todo poderoso, somos livres, em fim”.



A luta de Luther King, infelizmente, ainda não encontrou o seu fim. Esse dia, sonhado em seu discurso, ainda não chegou! Pelo contrário. Essa luta tem se tornado cada dia mais cruel, envolvendo não apenas a violência física, mas as violências que se manifestam de maneira difusa. Falo aqui daquelas violências que atingem o interior das pessoas, não o seu exterior, violências que debilitam sua autoestima, sua fé, sua moral, fazendo-lhes sentir-se como meros objetos em uma luta desenfreada por dinheiro e poder.
O mais interessante é que Martin Luther King Jr. encontrou na bíblia a fonte de inspiração para a luta pelos direitos civis e humanos que tanto defendeu. Em 1956, escreveu uma linda carta em que ele falava como se fosse o Apóstolo Paulo escrevendo aos americanos daquela época. Disponível, em inglês, no blog de Ed Stetzer, que dedica essa semana a estudos interessantíssimos sobre Luther King e sua luta pelos direitos civis: (http://www.edstetzer.com/2012/01/martin-luther-king-jr-a-letter.html).
Quero apenas concluir, dizendo que Luther King deixa para nós uma hermenêutica social da palavra de Deus. Ou seja, ele nos faz refletir sobre as inquietações que a bíblia deveria estar provocando nos corações do nosso tempo. A sua história não nos permite continuar inertes na luta pelos direitos humanos, na luta pela dignidade do ser humano, na luta pela concretização dos planos de Deus para a humanidade caída. Luther King jamais empunhou outra arma que não tenha sido a fé inamovível em um Cristo vivo.

Leia também: http://www.edstetzer.com/2012/01/a-closer-look-the-bible-and-ci.html um texto muito interessante, no qual o Kevin L. Smith fala sobre a relação de Luther King faz entre a sua luta pelos direitos civis e a bíblia. Vale a pena.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Democracia no ciberespaço

A palavra “democracia” tem tomado um significado cada vez mais profundo na chamada “era do conhecimento”. Cada pessoa, nesse mundo informatizado, – e, para não fugir a minha mania de neologismos, internetizado – tem a possibilidade de produzir e publicar os seus próprios conteúdos em uma espécie de universo paralelo que forma outra realidade em conjunto com o mundo comum. Já não é mais necessário ficar limitado ao recebimento das produções dos canais convencionais de comunicação.
A onda da interatividade está tomando conta do mundo, qualquer um com uma câmera digital na mão, um pouco de criatividade e acesso à Internet pode ser a nova sensação dos veículos de comunicação do país e até do mundo. Com pouquíssimas restrições, um mundo quase ilimitado se abre diante da nova geração, possibilitando a publicação de músicas, filmes, imagens, textos que, à sua própria forma, comunicam a mensagem livre de cada indivíduo.
Parece uma fábula que se torna verdade, o sociólogo Ely Chinoy, no início da década de 1960, já prenunciava que no final do século XX um adolescente trancado em seu quarto teria acesso a mais informação e diversão do que um Czar russo podia ter em toda a sua vida no final do século XIX. Nesse turbilhão de informações, onde a cada dia são postados cerca de 75.000 novos vídeos no YouTube e oito milhões de novos posts na blogosfera, uma pergunta precisa ser feita: estamos preparados para isso?
O grande problema é que a falta de limites e mesmo de legislações específicas para o universo cibernético tem conduzido as pessoas a um novo comportamento social ainda não definido, porém que precisa ser analisado. O acesso a esse gigantesco mundo de conteúdos requer a formação de uma consciência normativa que indique os caminhos que se deve tomar para a construção do que está por vir.
A democracia verdadeira não se forma apenas dando acesso ao espaço público, mas principalmente formando pessoas capazes de contribuir com ele. Não se trata de mera instrução técnica, mas de educação no sentido mais profundo e amplo da palavra. Os indivíduos desejam reconhecimento de suas habilidades, dos seus talentos, dos seus projetos, em fim, de sua persona; querem se apresentar ao mundo mostrando aquilo que lhes abriria espaço para uma efetiva participação na vida pública. Porém, esse projeto individual, ou mesmo individualista, de “mostrar-se ao mundo” escapa, em grande parte das vezes, a qualquer senso de participação social. O ser do outro tem sido frequentemente esquecido, ou pior, ignorado, no projeto de reconhecimento individual.
Ou seja, a despreocupação com a qualidade e com as consequências dos conteúdos postados na Internet é uma atitude de dessocialização – definindo dessocialização como o extremo oposto da socialização. A Internet, que deveria ser um espaço de construção social, tem se tornado, cada vez mais, local de individualização do sujeito, marcada por desrespeito e descompromisso social. Conteúdos elaborados com o intuito de ridicularizar pessoas, de transferir ódio, de manipular situações, sem falar das pornografias e pornofonias, são elementos de separação social cada vez mais presentes na rede. E como se não bastasse, esse tipo de conteúdo ocupa sempre os tops das mídias sociais.
Não quero aqui propor qualquer tipo de censura à Internet, mas, tão somente, deixar clara a necessidade de uma educação transformadora, que posicione os indivíduos em um caminho de verdadeira cidadania. Relembrar a necessidade de que a educação cumpra o seu papel de promover um bem social e não fabrique indivíduos sem compromisso com o mundo que os acolhe. Chega da política da troca, do interesse particular dominando o interesse público. É urgente que os espaços públicos, virtuais ou não, sejam utilizados de maneira construtiva e produtiva. Isso só pode acontecer por meio de uma educação que não forme indivíduos, mas cidadãos, sujeitos participantes da vida comunitária.