domingo, 6 de setembro de 2015

Migração: problema econômico, moral ou de compaixão?

Uma parcela significativa da população mundial enfrenta, nos dias atuais, terríveis problemas com guerras, perseguições políticas, escassez de alimentos e falta de condições mínimas de bem-estar social, dentre outros. Esses problemas têm gerado o maior fluxo migratório entre nações de todo o mundo desde a II Guerra Mundial. A Europa, por exemplo, tem recebido migrantes da África, da Ásia e de países europeus que estão fora da Zona do Euro. Aqui, nas Américas, o problema, também, tem se agigantado. Todos os anos, um número incalculável de pessoas tenta migrar, legal ou ilegalmente, para países com imagem mais positiva no que diz respeito à qualidade de vida.
Essa situação, que carece de solução urgente, é motivo de discussões amplas, abrangendo temas como relações internacionais, economia regional, religião, justiça, solidariedade, hospitalidade entre os povos, bem-estar social e muito mais. No meio de toda essa discussão, a grande novidade é a recente abertura das fronteiras alemãs para o acolhimento dos migrantes, principalmente os oriundos da Síria. Os germânicos, desde o III Reich, realmente, modificaram os seus conceitos sobre hospitalidade e tolerância entre os povos. Isso pode ser percebido na prática, pois a população daquele país saiu às ruas com donativos e cartazes de boas vindas para acolher os recém-chegados.
A grande questão é: se a atitude dos alemães no que diz respeito à solidariedade, cosmopolitismo e hospitalidade universal são dignas de imitação, será que as questões econômicas e sociais que emergem dessa mesma atitude são suportáveis pelos países que abrem suas fronteiras para a imigração nessas condições? Simplificando, trata-se de uma redução do problema ao fator econômico. De um ponto de vista moral, essa redução é abominável, não se pode deixar pessoas privadas de direitos e condições fundamentais para a vida só por causa do argumento de redução da riqueza daqueles que normalmente têm mais do que precisam ter. Mas, infelizmente, não temos como negar que o fator econômico é preponderante, pois as implicações vão desde sacrifícios individuais para a população recebedora até a possibilidade da emergência de grandes problemas sociais como bolsões de pobreza, aumento da violência, redução da renda média, etc.
Como, então, conciliar interesses tão radicalmente diferentes? Bem, essa é uma questão da física, todo fluxo tem um sentido de corrente, ou seja, tem origem e destino. Assim, a questão da migração precisa ser pensada nesses dois pontos: 1) na origem, criando condições de bem-estar social suficientes para a satisfação das pessoas com a sua terra natal. Isso implica em promover as condições básicas de desenvolvimento socioeconômico, referidas, por exemplo, no trabalho de Amarty Sen, que atendem em especial as necessidades individuais; e, 2) na acolhida, os países que acolhem os migrantes de regiões menos privilegiadas devem inserir esses novos moradores no processo de produção de riquezas da nação, evitando assim os problemas que costumam emergir do aumento drástico do tamanho da população sem o devido acompanhamento do crescimento econômico.
Claro, olhando assim, parece simplismo. Mas, longe de imaginar que resolvi o problema da terra em uma página, chamo a atenção para o fato de que essa é uma discussão que data de Platão e Aristóteles e vem se arrastando por milênios. Produzindo, portanto, em termos teóricos e pragmáticos, soluções aplicáveis, muitas delas já testadas para se resolver esse problema. Veja-se que quando esse mesmo problema ocorreu durante e após a II Guerra Mundial, a Europa não apenas resolveu o problema como cresceu em qualidade de vida. Nesse texto, a primeira parte da proposição que eu apresentei está centrada na origem, isto é, na reorganização política dos países onde o fluxo se origina. Essa teoria é oriunda do pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant, precisamente do seu texto intitulado A Paz Perpétua. Já a segunda parte está alinhada com o pensamento de John Rawls, contida em sua obra Uma Teoria de Justiça, principalmente no Princípio da Diferença proposto no Capítulo II da obra e a reflexão sobre as Parcelas Distributivas (Capítulo IV).
Bem caro amigo, o que quero dizer nesse texto é que não podemos imaginar um mundo com fronteiras fechadas para a solidariedade, para a hospitalidade e, principalmente, para o cosmopolitismo. É inimaginável, do ponto de vista ético, cristão, ou de qualquer religião, que pessoas estejam sobrevivendo sem as condições mínimas em regiões com pouco, ou nenhum, desenvolvimento econômico, enquanto, em outro lugares, pessoas vivem de maneira opulenta, negando ajuda aos primeiros. Com certeza, a solução não está nesse texto. Aqui, eu quero apenas levantar uma esperançosa discussão sobre a necessidade de um projeto político mais humano para o problema dos povos excluídos.  

sexta-feira, 3 de julho de 2015

A corrupção no Brasil é um problema cultural?

O problema político brasileiro, a meu ver, está situado sobre duas bases: a primeira diz respeito à propensão do povo brasileiro para manter no poder aquelas pessoas que estiveram envolvidos em corrupção – mesmo em casos comprovados a população costuma reeleger; a segunda base trata da falta de uma gestão pública que imponha dificuldades reais para realização da corrupção. Considero, no entanto, a segunda base bem mais importante do que a primeira.
Apesar de haver uma grande crise moral instaurada no país e de defender com unhas e dentes que uma verdadeira democracia só se faz com alternância do poder, temos que entender que essa crise não é apenas moral, ela é, sobretudo, gerencial. Seria improvável que encontrássemos pessoas moralmente melhores do que aquelas que hoje estão no poder e mesmo que encontrássemos essas pessoas tão ajustadas moralmente, elas teriam que, uma vez no poder, enfrentar um sistema que por si mesmo é predisposto à corrupção.
O meu pai já ensinava: “a ocasião faz o ladrão”. Essa é a realidade da administração pública brasileira, uma máquina de fazer ladrões. Veja-se com que facilidade bilhões de reais desapareceram dos cofres da Petrobrás; ou com que facilidade os bancos estatais (nomeadamente Banco do Brasil e Caixa)foram utilizados de maneira ilegal para atender demandas meramente políticas de um projeto de poder; ou ainda o uso do BNDES para distribuir dinheiro indevidamente para pessoas interessadas em resgatar os “investimentos” feitos nas campanhas políticas. Será que esses desvios financeiros aconteceriam, por exemplo, em empresas privadas? Será que R$ 6 bilhões desapareceriam dos cofres de instituições como Votorantim, Bradesco, Unilever, sem nada ser notado? A resposta evidente é não. Mas, por quê?
Será que as pessoas que trabalham no setor privado têm um caráter mais elevado do que as pessoas que trabalham no setor público, especialmente, em cargos eletivos? Não creio que seja possível fazer esse tipo de julgamento! O que está óbvio nessa comparação entre a gestão pública e a gestão no setor privado é a diferença gigante entre as formas de controle de cada sistema. O sistema privado é ajustado com mecanismos que dificultam desvios de dinheiro, mas ao mesmo tempo, são altamente eficazes nas suas finalidades; enquanto que o sistema público funciona exatamente ao contrário, sendo simultaneamente fraco no controle interno e ineficaz no cumprimento de suas funções básicas.
Voltando, por um instante ao problema do caráter, defendo que a alternância de poder em um estado democrático de direito é fundamental. Mesmo que um gestor público esteja fazendo um excelente trabalho, ele deve ser periodicamente substituído. Mas, isso não é tudo, a administração pública carece de sustentabilidade, ou seja, precisa de uma sistematização dos seus processos que impeça a ocorrência de disfunções financeiras ou de finalidade, independentemente de quem a esteja gerindo. Isto é, o Estado precisa de gestão pública eficaz. Mas, o que isso significa na prática?
Significa que o Estado Brasileiro precisa se reorganizar gerencialmente, precisa desenvolver métodos que dificultem a corrupção e, ao mesmo tempo, ajudem a focalizar naquilo que é sua atividade fim, a saber – o bem estar social. Normalmente as pessoas generalizam sua visão política, afirmando que “todo político é corrupto”. Na realidade, elas estão olhando na direção errada, elas estão olhando para pessoas que se corrompem, mas não estão vendo a realidade de um estado desorganizado propício à atividade criminosa do desvio de verbas, da venda de influência e do descompromisso com o cidadão.
Poderíamos, então, falar que o problema da corrupção no Brasil é cultural? Acho complicado, pois isso nos afastaria do caminho de uma solução real para o problema. Estaríamos assumindo que a corrupção é parte da identidade de todo um povo ou, no mínimo, que é um valor positivo presente no imaginário coletivo da população. Creio que isso seria bastante criticável. Mas, o grande problema é que a admissão da corrupção como um problema cultural seria, também, a transferência do problema da incompetência da gestão do erário público para a identidade cultural de um povo inteiro.
Alguém pode, agora, estar pensando que ignoro o problema da pequena corrupção, aquela em que o indivíduo sonega tributos, ou faz um “gato” para roubar energia, ou engana na entrega de serviços e produtos, etc. Esse nível de corrupção não pode ser considerado parte da cultura brasileira pelo simples fato de que ele é considerado desprezível pela maciça maioria da população, inclusive pelos seus praticantes. A pequena corrupção é fruto do caos jurídico e disciplinar no Brasil, no final das contas da gestão pública que é, em larga medida, responsável pelo bem-estar social e de cada cidadão (Bent Greve - Felicidade).
A má distribuição dos bens públicos (saúde, educação, renda, meios de produção, etc.) coloca os participantes de uma sociedade em níveis desiguais de concorrência pelo bem estar (Amartya Sem – A Ideia de Justiça e Desenvolvimento como Liberdade). Fato que, em certa medida, explica, embora não justifique, os pequenos delitos que chamamos de pequena corrupção. A famosa lei de Gerson, que resume a ideia de “levar vantagem em tudo”, não é própria da cultura brasileira, mas do estado de materialismo e de individualismo de toda uma época. Portanto, vale para brasileiros, alemães, americanos, dinamarqueses e todo o mundo. O que varia é a forma como cada um desses povos presta conta de suas ações no interior de sua sociedade.
Enfim, se admitirmos que o problema da corrupção no Brasil seja cultural, caminharemos para a mais ferrenha e triste acomodação política de um povo. Mais do que isso, caminharemos para uma inversão completa dos juízos morais, atribuindo à cultura de uma nação um problema que é claramente gerencial. Em resumo: onde há boa gestão, não há corrupção. A diferença entre o Brasil e as noções mais e menos corruptas está justamente na qualidade da gestão pública e NÃO no caráter, ou na cultura, dos seus povos.