quinta-feira, 28 de julho de 2011

Justiça e Impunidade

Estou pensando seriamente em propor novas mudanças na língua portuguesa. Dessa vez a mudança seria mais profunda, ela permitiria que as palavras expressassem as ações e os sentimentos humanos ao mesmo tempo. A minha primeira proposta, nesse sentido, seria mudar, para determinadas situações, a morfologia da palavra “assistir”. Seria mais ou menos assim, quando essa palavra se referisse a “assistir televisão” – especialmente programas jornalísticos – deveria assumir a seguinte forma: “assustir”. Assim, passaríamos a falar: “Vou assustir o Jornal Nacional”.
Assustir seria a mistura da ação de assistir com a reação de assustar-se. Ora, pense comigo, essa sim, seria uma mudança útil na língua portuguesa falada no Brasil. Afinal, dessa forma, nós brasileiros poderíamos, com uma única palavra, expressar, com alto grau de exatidão, as nossas experiências diante da televisão, especialmente diante dos noticiários. Claro que faltaria uma palavra mais precisa, mais poderosa, para descrever a tragicômica experiência de ver os programas de Datena e dos seus – pasmem – imitadores.
Vocês lembram-se do filme “A Hora do Pesadelo”? Com certeza aqueles que estão entre os trinta e os quarenta, vão lembrar. Trata-se de um trash dos anos 80. Naquele filme o vilão, Freddy Krueger, era um monstro que penetrava nos sonhos das pessoas, fazendo coisas terríveis. O mocinho do filme, que é praticamente um anônimo, não podia dormir, pois, dormindo, seria atacado pelos seus piores medos. Eu era um pré-adolescente naquela época e ficava assustado, e dizia assim: “Caramba, isso pode acontecer comigo”! E aí, eu ficava com medo de dormir e encontrar Krueger nos meus sonhos.
O curioso é que, agora, com quase quarenta anos de idade, voltei a dizer a mesma coisa: “Caramba, isso pode acontecer comigo”! Só que agora esse sentimento vem depois do telejornal. Eu não tenho mais medo de dormir, porém, tenho medo de sair de casa e ser roubado, assaltado, atropelado, assassinado e, depois de tudo, ser tratado como se eu fosse culpado por ter sofrido essas coisas. Agora sim, depois de “assustir” o meu telejornal, tenho a impressão que Krueger, junto com os meus piores medos, pode aparecer quando eu estiver bem acordado. Então, posso dizer: Caramba, isso pode acontecer comigo!
Bem, caros amigos. O meu maior Krueger é a impunidade que se manifesta nesse nosso amado país de maneira líquida e certa a fim de garantir os direitos humanos principalmente para os desumanos. Isso me assusta mais do que a violência, mais do que os próprios crimes. Veja o que é loucura: duas pessoas estão no trânsito às 6:00 da manhã, a primeira dormiu e acordou cedo, saiu de casa, está a caminho da igreja em uma bela manhã de domingo; a segunda não acordou – pois ainda não havia dormido – , saiu de um bar, está a caminho de onde ninguém sabe. Encontram-se, as duas, em uma esquina, ambos querem passar, o semáforo está aberto para a primeira, mas a segunda não pensa em parar, colidem... advinha quem morreu? Advinha quem está solto? Advinha quem está cheio de multas de trânsito? Isso eu “assusti” na TV. Mas, caramba, isso pode acontecer comigo!
No final das contas, chega alguém – com um bonito terno e uma gravata cheia de estilo – sabendo que o segundo estava alcoolizado, que dirigia em velocidade muito acima dos limites permitidos, que ultrapassou o sinal vermelho, que matou uma pessoa inocente e diz: “Esse rapaz tem direito a ampla e irrestrita defesa, as coisas podem não ser bem assim como estão dizendo”. Isso me dá medo, muito medo. Eu tenho medo disso por que grande parte dos acidentes com morte que tenho “assustido” na TV são provocados por pessoas reincidentes, pessoas que têm uma gigantesca lista de multas e que há muito deveriam ter sido retiradas do trânsito. Mas, sempre vem um engravatado com os recursos de uma lei débil – cancerígena mesmo – e, sem se importar com a pessoa que não teve como se defender, arranja um meio de soltar o facínora.
Sabe de uma coisa?! Ao contrário de quando eu estava saindo da minha infância eu bem que gostaria que Krueger aparecesse nos meus sonhos, pois eu sei que acordaria e voltaria a dormir. Desde que ele não estivesse solto no meio da rua, protegido pelas canetas da impunidade, afirmando e reafirmando que eu posso sair de casa e não mais voltar. Caramba, isso pode acontecer comigo!


terça-feira, 7 de junho de 2011

A Igreja e o movimento LGBT

Recebi alguns e-mails informando que o Deputado Federal Baiano Jean Wyllys, defensor da causa LGBT na Câmara dos Deputados, teria lançado uma “guerra” contra os cristãos. As aparências apontam para a ideia de que essa tal guerra é fruto dos embates ideológicos em torno da aprovação da PLC 122 – Projeto de Lei que trata de um suposto combate a homofobia – pelo congresso nacional. Eu, no entanto, acredito que essa guerra tem uma motivação histórica com raízes fincadas em um passado longínquo.
Porém, antes de partir para uma análise da questão, quero abrir um parêntese para dizer que, em minha opinião, – e assumo todos os riscos pelo que digo aqui – se o deputado Jean Wyllys estiver realmente partindo para esse tipo de agressão, está configurada a sua total incompetência para ocupar um cargo no legislativo nacional. Essa minha afirmação é alicerçada pelo entendimento de que não é possível se proclamar caminhos para um processo realmente democrático apenas transformando os oprimidos de outrora em novos opressores.
Voltando ao assunto, a intolerância contra os homossexuais não é uma invenção cristã como muitos afirmam. Ela nem sequer faz parte de um processo histórico contínuo, conforme demonstra Foucault em sua História da Sexualidade. Observamos altos e baixos nessa tumultuada relação entre pessoas homo e heterossexuais desde a Grécia Antiga, quando, antes de o cristianismo nascer, algumas cidades-estados admitiam e até incentivavam a homossexualidade como forma de controle de natalidade e outras simplesmente repudiavam essa ideia (Pode-se confirmar esse fato na Constituição de Atenas, de Aristóteles). A homossexualidade foi aceita em diversas comunidade tribais e esteve presente em muitos ritos religiosos ao longo da história, mas simultaneamente ela foi rejeitada por um número ainda maior de comunidades que nada tinham a ver com o cristianismo, como, por exemplo, várias comunidades animistas da África.
Para confirmar a ideia do parágrafo acima, lembramos, por exemplo, que nos dias atuais há muitos países de origem não cristã em que a homofobia é lei, inclusive com previsão de pena de morte. Nesse sentido, é forçoso perceber que a homofobia aparece por motivos religiosos, econômicos e políticos que não têm necessariamente ligação com o cristianismo.
Não podemos, no entanto, negar que os cristãos têm um histórico homofóbico oriundo de interpretações equivocadas das Sagradas Escrituras e que, durante muito tempo, o nosso discurso – assumo esse discurso como cristão, não como indivíduo – foi, e de certa forma ainda é, promotor de larga opressão contra os homossexuais em suas diversas tipificações. Pior ainda, somos obrigados a admitir que o discurso aleijado de parte da igreja cristã promoveu fortemente o uso de diversos tipos de violência contra as pessoas de orientação sexual diferente dos padrões religiosos.
Por outro lado, é imprescindível entender que o cristianismo em sua essência bíblica, embora se afaste ideologicamente da homossexualidade, não apresenta nenhuma instrução de ódio contra o homossexual. Longe disso, ele tem como máxima fundamental que Deus abomina o pecado, porém ama o pecador. Ora, é mister entender que há, sob o ponto de vista cristão, uma diferença gigantesca entre o ato realizado e o seu agente, fazendo com que a atitude realmente cristã seja a de discordar dos comportamentos homossexuais sem, por esse motivo, ferir, humilhar ou excluir os seus praticantes. Sabemos que nem sempre isso acontece e, por isso, é, também, necessário, admitir que a Igreja precisa ter um discurso mais tolerante, que não seja opressor, nem excludente.
Torna-se forçoso, também, entender, mas não aceitar, caso de fato exista, o ódio do Deputado Jean Wyllys pelos cristãos que promoveram muitas vezes um ambiente de repúdio àqueles que pertencem ao grupo LGBT. Pois, houve, no seio da Igreja, muitos erros e pouca reflexão sobre esse assunto. Acredito que estamos entrando em uma era em que cada vez menos a igreja terá o direito de interferir na intimidade das pessoas, isso, porém, não significa que a igreja deva ser calada por pessoas que dela não fazem parte.
É inconcebível que se exija que a Igreja abra mão dos valores que milenarmente a guiam, montando a sua própria identidade. É necessário que haja um equilíbrio, que se retire a igreja da posição de opressora, porém sem coloca-la na posição de oprimida.
Desta maneira, precisamos convocar ambos os lados para a formulação de um discurso consensual que promova a amplitude democrática do convívio de diversas opiniões e identidades, formando um só corpo social capaz de conviver com suas diferenças. E nesse espaço democrático não há lugar para mordaças, nem para leis que tentam silenciar uma das partes.
É engraçado como o assunto em pauta tem a ver, na prática, com a elaboração desse pequeno escrito. Explico melhor, quando eu escolhia as palavras para colocar nos meus textos, eu fazia isso baseado no respeito e no bom senso, mas agora, eu faço isso com medo de ser processado. Ou seja, escrevo do mesmo jeito, porém com sensações diferentes. Meus melindres, agora, nada têm a ver com o respeito, mas com o medo, minhas limitações agora estão ligadas a uma imposição legal e não a um senso moral. Será que isso mudaria o meu interior, caso eu fosse homofóbico?
Caros, é preciso abandonar as armas da intolerância e nos apegarmos àquilo que nos une; a nossa humanidade. Eu continuo dizendo não a uma lei que me cala, que retira de mim o direito de discordar, o direito de ser igualmente humano, o direito de proclamar a minha fé. E continuo, simultaneamente, dizendo não aos discursos religiosos que oprimem pessoas por quaisquer motivos, principalmente pela sua opção sexual, querendo intervir na intimidade, no seu direito de ser humano sem ser cristão, sem participar do nosso padrão. O cristianismo já ensinou muito ao mundo sobre direitos humanos, não pode ser agora simplesmente acusado de feri-los, não pode agora voltar a ser instrumento de intransigência.
Sou a favor de uma convivência moralmente ajustada e não legalmente imposta; sou a favor da liberdade de expressão sem a covardia do anonimato, jamais de uma lei que impeça alguém de pronunciar as suas interpretações do mundo; sou a favor de uma educação transformadora que exerça mudanças de dentro pra fora e não de uma lei pseudolibertadora que, longe de libertar um grupo, aprisiona dois nas cadeias, cada vez mais fortes, da discriminação.


terça-feira, 10 de maio de 2011

O pornô e a (des)humanização do sujeito

A palavra pornô (do grego pornéia) se refere, no contexto ocidental, a toda forma de sexo que esteja fora dos padrões religiosos ou sociais do casamento, por isso ela sempre ganha um caráter negativo. Porém, esse caráter negativo não é oriundo apenas de um preconceito sócio religioso imposto pelo cristianismo. Longe disso, o caráter negativo do pornô, em suas diversas formas de expressão, é fruto de uma reflexão que analisa as ações a partir de suas consequências.
Desta forma, é perfeitamente possível se perceber que o pornô, por causa dos seus excessos e deturpações, provoca prejuízos sociais em larga escala. Prejuízos esses que passam pelas esferas econômica, psicológica e sociológica, para não falar de outras tantas que não cito aqui a fim de não incorrer em aparentes preconceitos.
Só para citar rapidamente, o SUS (Sistema Único de Saúde), segundo informações do ministro da saúde, José Gomes Temporão, tem realizado cerca de 220.000 curetagens anualmente em jovens que estão em uma faixa etária que vai dos 13 aos 29 anos. Estima-se que mais de um milhão de adolescentes em idade escolar engravidem todos os anos no nosso país. Nos próximo 15 anos, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) 70 milhões de pessoas viverão com AIDS e cerca de 3 milhões morrerão anualmente em decorrência de DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis).
Por outro lado, a “cultura” pornô continua avançando a passos largos. E toda vez que alguém abre a boca para falar contra ela, é simplesmente taxado de preconceituoso. É engraçado como os problemas sociais são deixados de lado toda vez que se aponta as suas causas reais. Isso tem muito a ver com um sistema capitalista altamente selvagem desenvolvido para adestrar uma população sem educação. É muito melhor para os governos que o pornô seja incentivado, e vivido, em parcelas cada vez mais inconsequentes da população. Pois, dessa forma os políticos conseguem, através de doenças e gravidezes que poderiam ser evitadas, mais dinheiro para os seus estados e municípios, ou sabe Deus para quem.
Pois bem, como se vê, o problema do pornô no nosso tempo não é apenas um problema moral, é um problema social que tem suas raízes em um sistema complexo que alimenta os comportamentos de pessoas inconsequentes com a finalidade de tirar sempre alguma forma de lucro.
Mas, o pornô sempre esteve presente na história da humanidade! Isso é fato. Na música, por exemplo, temos visto a grande exaltação da pornofonia que atinge indiscriminadamente todas as classes sociais e se coloca como o grande sucesso da atualidade. Isso não é nenhuma novidade, a pornofonia sempre existiu no cancioneiro popular, não é coisa do nosso tempo. O que é próprio do nosso tempo é o espaço social que a pornofonia, a pornografia, em fim, todas as formas em que pornô se revela, ocupa na contemporaneidade.
O pornô deixou de ser ato discreto, íntimo, pessoal e veio à tona, tornando-se público, explícito, exaltado. O pornô ganhou um espaço social incompatível, que passa a se tornar cada vez mais danoso para sociedade. Veja que não falo aqui do pornô como ato sexual lícito, regrado, discreto, equilibrado, falo do pornô que ultrapassa os limites da liberdade e se torna licenciosidade. Aceito até que se dê uma nova visão, uma visão mais positiva ao pornô, que se desfaçam as caricaturas que a religiosidade, não necessariamente o cristianismo, lhe impôs. Mas, não posso deixar de compreender que o pornô passou a ocupar um espaço muito maior do que o necessário e saudável para a sociedade.
Quando olho para crianças de 11, 12 anos de idade engravidando depois de abandonar precocemente as suas bonecas, considero pura hipocrisia de uma sociedade que apoia a cultura pornô abrir a boca para falar contra a pedofilia. O ponto é que as crianças de nossa nação perdem o referencial de família, não desenvolvem a noção de valor do corpo, e se entregam antes do tempo para uma atividade que, embora natural, exige amadurecimento não apenas do corpo, mas, principalmente da psique. Mas, como essas crianças podem, ou poderiam, se defender? Se elas são diuturnamente alimentadas com as ideias de uma sexualidade que é perversamente apelidada de liberdade.
Falei, logo acima, de alguns dos problemas econômicos gerados pela exaltação do pornô na nossa sociedade – infelizmente, os problemas reais são muito maiores do que mencionei –, mas, agora, quero, também, trazer à baila outros problemas que atingem as crianças que simplesmente saltam da sua infância para uma triste realidade de uma vida sexual adulta antes de se tornarem adultas, bem como as pessoas que, embora adultas, se entregam irrefletidamente ao comportamento pornô.
Refiro-me aos problemas do conflito do ‘eu’, isto é, da autocompreensão humana, do fundamento da personalidade. Afinal, o corpo é a representação máxima de nossa identidade e ninguém entrega o seu corpo a outrem sem entregar a sua persona, os seus sentimentos, as suas expectativas, os seus sonhos. O sexo não se resume ao coito. Logo, ao se banalizar o sexo se banaliza a própria existência.
Em suas múltiplas formas, a cultura pornô transforma os seres humanos em meros objetos sexuais que são constantemente manipulados e manobrados no interior de uma sociedade de massa totalmente hedonista, isto é, que tem sua concepção de felicidade na busca do prazer e tranquilidade para o corpo. Os homens, nesse contexto, só são homens se forem raparigueiros, as mulheres são cachorras, são raparigas (no pior sentido da palavra) e as relações sexuais são apenas prazer sem consequências. Não há compromisso, nem qualquer sinal de responsabilidade. Assim, somos obrigados a pensar, também, sobre homens e mulheres que embora sejam adultos são irresponsáveis com o seu próprio corpo, com o seu próprio futuro e com o futuro das crianças que ocasionalmente são geradas pela sua simples busca de prazer.
É necessário que o pornô volte aos limites do seu espaço na intimidade das pessoas e desocupe o centro da vida pública. As suas expressões como pornografia e pornofonia, por exemplo, devem recuar para um espaço marginal identificado apenas e tão somente com os que se interessam por atividades e práticas dessa natureza. Não é admissível que a nossa população esteja compulsoriamente sujeita aos excessos da comunicação pornô, tornando-se refém dos prazeres individuais que negligenciam as responsabilidades sociais. É hora de uma reflexão justa e moderada sobre o assunto, sem acusações sarcásticas e sem defesas de interesses particulares ou de pequenos grupos que querem determinar o comportamento social.


terça-feira, 19 de abril de 2011

A Solidão Social e a Desvalorização da Vida


Será que podemos explicar por que alguém comete suicídio? Ou por que alguém comete um assassinato em massa, como no caso de Realengo-RJ? Ou mesmo por que se torna um serial killer, como tantos que têm aparecido na TV? Será que podemos explicar por que esses casos, que nós só víamos à distância, aparecem agora tão próximos de nós?
Temos visto jovens de todas as classes sociais envolvidos com crimes de violência brutal, tirando a vida de outras pessoas, ou a sua própria, ou ambas, por causa de motivos banais. Qual é a explicação para isso?
Certamente não teremos uma elucidação definitiva, nem, muito menos, consensual, principalmente por que por trás das respostas que usualmente damos sempre há uma fuga, uma fuga nossa, de quem tenta dar justificativas para uma situação que insistimos em tratar como factual, conjuntural, ao invés de tentar explicações para um problema social de múltiplas reincidências.
Na maioria das vezes as respostas têm a ver apenas com drogas, falta de estrutura familiar, doenças, loucura, demônios, bullying e coisas desse tipo. Não posso negar que essas explicações não são de todo vazias, mas afirmo que são incompletas. Essas respostas têm pouco efeito prático, têm pouca reflexão, são, em muitos aspectos, simples demais para resolver um problema que é demasiadamente complexo.
Mas, então, qual é a resposta adequada? Bem, não sei se a tenho, mas proponho uma reflexão que faz com que todas as explicações acima citadas, e outras não citadas, se encaixem em uma lógica da ordenação social do nosso tempo altamente individualista e liberal (liberal em um sentido político-filosófico).
Creio que grande parte dos problemas que temos visto no sentido de atentar contra a vida, em suas múltiplas formas de fazê-lo, tem a ver com uma das novidades da chamada pós-modernidade. Trata-se da “solidão social”. Como é isso?
A solidão social é aquela que se sente no meio das pessoas, aquela que se sente sem que se consiga compreender ou, muito menos, explicar. Mas, o nosso interesse não é explicar o que se sente na solidão social. O nosso interesse é refletir sobre a forma como ela se processa na sociedade, sobre a suas origens e os seus danos.
A solidão social não é um mero produto do individualismo, ela é fruto de um individualismo que força o sujeito a estar dentro de certos padrões de aceitação popular. Ela é produto de uma sociedade de massa, que despersonifica cada vez mais o indivíduo, ao mesmo tempo em que o coloca dentro de redes sociais com padrões altamente definidos de participação e comunicação.
Aqueles jovens que não conseguem adentrar os padrões de comunicação exigidos pelos grupos dos quais desejam participar ficam presos a um anonimato inaceitável. Veja-se que as pessoas que costumam cometer essas atrocidades são, em geral, pessoas que não se abrem, não se comunicam adequadamente. São solitárias, mas não por falta de pessoas e sim por falta de capacidade de se comunicar. Mas, será falta de capacidade de comunicação, ou de espaço para tal?
Os jovens são cobrados por metas cada vez mais inatingíveis de popularidade nos Facebooks, Orkuts e outras redes sociais, eles se sentem pressionados a sair do anonimato, a chamar a atenção a comunicar a sua existência. Por outro lado, para que essa comunicação seja possível, eles têm que se enquadrar naquela comunidade feita de “iguais” e que não admite as idiossincrasias de um sujeito fora do modelo instituído. Ou seja, os jovens não podem tomar as suas próprias decisões, eles têm de transar, beber, usar drogas, vestir certas marcas, utilizar certos estilos para ser incluído em um grupo. E aqueles que estão em outras “tribos” ou que não estão em tribo alguma se tornam simplesmente “ninguém” no interior da sociedade de massa.
Segue da mesma forma no interior das famílias, que na tentativa de estabelecer o que cada um deve ser; como cada um deve agir; quanto cada um deve ganhar; esquece-se de ouvir, esquece-se de promover espaços de comunicação que respeitem a intimidade e a liberdade de se ser o que se sonha.
No fim das contas, os suicidas, os assassinos, os que cometem desatinos sociais são pessoas que não conseguem fazer uso dos espaços de comunicação social, seja em casa, na escola, na vizinhança, onde for. Eles simplesmente se sentem excluídos por que de fato o são.
E tem solução? Sim e não! A solução é promover dentro de cada ambiente de socialização um espaço real para a comunicação, para a atenção, para o carinho, para o amor, para a vida, para que os jovens se sintam parte de um ambiente inclusivo. Mas, isso é quase que um desmantelamento da atual formação das relações sociais, é quase que um desmantelamento do pragmatismo da vida pública, ou seja, é uma transformação da cultura de massa em uma cultura de pessoas que pode significar uma regressão inaceitável para o nosso tempo.
A solução passa pelas instâncias que não podem responder sozinhas pelo problema, mas podem dar suas contribuições para o desenvolvimento de uma saúde social que esses jovens precisam. É a recolocação do sujeito no meio social, dando para cada um o espaço real para ser o que ele deseja ser e para comunicar sua existência, mesmo que fora dos padrões. Pois temos vivido uma falácia no que tange a democracia do sujeito.
Para serem aceitas nesses ambientes “democráticos” as pessoas precisam se fantasiar em conformidade com os padrões de aceitação e fingir que fazem parte de uma comunidade a que não pertencem na sua essência. Assim, a sua aparência, o seu fenótipo, surge em um fenômeno social que não se identifica no seu interior. É essa mentira, essa farsa que o sujeito é obrigado a se submeter que gera intermináveis conflitos no interior de quem precisa comunicar-se, mas não consegue.
Precisamos voltar a tratar gente como gente e não como objetos, coisas. Precisamos revalorizar o afeto como trama principal das relações sociais, que devem ser exercidas no âmbito da pessoalidade e dos princípios comunitaristas. Assim, haverá, como sempre houve em outros tempos, espaço para que o indivíduo seja quem ele é, sem a necessidade de fantasias que comuniquem falsas imagens.


segunda-feira, 18 de abril de 2011

Pode o suicida entrar no Reino de Deus?

Muitos de nós fomos ensinados que o “suicida não entrará no reino dos céus”, e as pessoas que nos ensinaram isso sempre afirmaram que essa frase está escrita na bíblia, mas isso não é verdade, a bíblia não diz nada disso. Então, surgem outros argumentos do tipo: todo suicida é um homicida e os homicidas não entrarão no reino de Deus. Esse argumento também é falso, nem todo suicida é um homicida, pois as estatísticas psiquiátricas mostram que a depressão é responsável por cerca de 15% dos suicídios que acontecem no Brasil. Ora, nesse caso o suicida é apenas uma pessoa com uma doença grave, não um praticante deliberado do homicídio.
Eu não tenho nenhuma autoridade para falar sobre o suicídio em termos psiquiátricos, por isso gostaria de ir direto ao ponto: o quê, afinal, a bíblia realmente diz sobre o suicídio? Embora eu não pretenda fazer, aqui, um estudo exaustivo sobre o tema, vou tentar, pelo menos, esclarecer uma coisa: o suicídio não é necessariamente um sinal de que alguém não foi salvo.
Existem quatro casos de suicídio narrados no velho testamento: o rei Saul e o seu escudeiro (I Sm 31: 4-6), Aitofel (II Sm 17:23) e Sansão (Jz 16:30). No novo testamento temos o caso de Judas Iscariotes (Mt 27:3-5).
Vou partir dos casos de Sansão e Judas. Sabemos que em circunstâncias bastante diferentes esses dois homens cometeram o mesmo ato, ambos se mataram. Há quem crie polêmica sobre o suicídio de Sansão, mas o fato é que ele provocou conscientemente a sua própria morte e o nome disso é suicídio. No entanto, apesar de terem cometido o mesmo ato, Sansão é apresentado em Hebreus 11:32 como um dos heróis da fé e Judas, por outro lado, é apresentado no evangelho de Mateus como filho da desobediência, o primeiro entrou no reino dos céus, o segundo não.
O que esses dois casos podem nos ensinar? Podemos entender facilmente que não foi o suicídio que levou Judas a não ser salvo, mas a sua vida de negação ao Senhor. Sansão também era um homem pecador, como qualquer um de nós, mas não negou a sua fé. Vamos lembrar que a salvação é uma questão de fórum íntimo, que se dá, ou não, em decorrência com o nosso relacionamento com o Pai por meio da fé que está em nosso coração.
Portanto, à esta pergunta sobre a possibilidade de o suicida entrar, ou não, no reino dos céus, eu respondo: “sim”, é perfeitamente possível que alguém que se suicidou entre no reino dos céus. Isso não quer dizer obviamente que eu ache que o suicídio não é um pecado, pelo contrário, o suicídio é um pecado e jamais será a solução adequada para os problemas de alguém. Mas, a salvação é fruto da obra de Deus e não do homem. Logo, tudo vai depender das circunstâncias, se o suicídio for para alguém um abandono da fé, uma negação de Deus, como foi para Judas, o seu destino será o inferno. Mas, se o suicídio for uma saída imposta por circunstâncias como no caso de Sansão, ou mesmo de doenças que afetam a nossa relação com o mundo, como a depressão, pode haver salvação.
Há muitas questões sobre o suicídio e a bíblia que esse texto não se propôs a tratar. Mas, quem sabe, em outros textos podemos aprofundar as reflexões!? Por enquanto, uma coisa nos basta para aliviar o coração, o suicídio não significa necessariamente a condenação do indivíduo que o comete.

sábado, 16 de abril de 2011

A tristeza da morte e as lições para a vida

Eu gostaria honestamente de saber por que nos espantamos muito mais com as tristezas e desgraças da vida do que com as maravilhas que vivenciamos por obra de Deus. Lembro-me de certa vez, quando eu ensinava na escola bíblica, que uma irmã chegou contando um grande milagre, o seu carro havia sido abalroado por outro, virando de ponta cabeça, ela e sua mãe, uma senhora bastante idosa, não haviam sofrido nenhum arranhão apesar da violência do impacto. Não contestei, nem contesto, que isso tenha sido um milagre, mas contei um milagre maior, naquele mesmo dia, naquele mesmo horário, eu passei com meu carro por algumas ruas extremamente movimentadas, cheguei até a igreja e fui dar aula sem que nada acontecesse. Perguntaram-me: onde está o milagre? Respondi: onde vocês não podem, ou não querem, ver, nos livramentos de Deus.
Essa semana um rapaz morreu, suicidou-se. Percebi que alguns jovens que o conheciam diziam, em um estranho sentimento de culpa, que há jovens morrendo ao nosso lado e nós não estamos fazendo nada. Volto a perguntar: por que nos espantamos apenas com o mal e não contamos as bênçãos? Um jovem morreu, mas, entre nós, tantos outros nem têm pensado em suicídio; um jovem morreu, mas, entre nós, muitos outros descobriram um sentido melhor para vida; um jovem morreu, mas, entre nós, a sua morte tem tanto a ensinar.
A morte por suicídio não depende de um evento, ela é fruto de toda uma vida de conflitos internos. Ninguém decide repentinamente tirar a própria vida, essa decisão é construída e consolidada a partir da forma como se lida com a realidade. Ou seja, as causas do suicídio estão na intimidade do indivíduo, na sua forma de compreender e de lidar com o mundo ao seu redor. As pessoas não se suicidam por motivos externos a elas, apenas usam esses motivos como um estopim para o que desejam fazer. Não há culpados para esse tipo de coisa. Cada vez que procuramos culpados para fatos como esse, nós estamos matando aqueles que de alguma maneira estiveram envolvidos com quem se foi.
Que mania temos de culpar as pessoas, de culpar as entidades, de fazer os outros sofrerem arrastando uma dor que não precisavam carregar. Que mania de apontar o dedo, de buscar explicações para o inexplicável. Precisamos aprender, no meio dessa situação, a contar as bênçãos. Quantos jovens estão vivos apenas por que nos conhecem? Onde estaríamos nós se não fizéssemos parte de um grupo que convive irmanado pela fé? Deixemos para a morte os sentimentos que lhe são próprios: a saudade, o luto, a dor... Mas, tragamos à memória as esperanças que a vida pode nos oferecer: os sonhos, as amizades, os motivos que nós temos para continuar a jornada...
Nosso amigo se foi, mas sua atitude nos faz refletir sobre a quantidade de jovens que continuam vivos por que nós convivemos com eles. Vamos contabilizar a vida pelo que ganhamos, não pelo que perdemos.