terça-feira, 19 de abril de 2011

A Solidão Social e a Desvalorização da Vida


Será que podemos explicar por que alguém comete suicídio? Ou por que alguém comete um assassinato em massa, como no caso de Realengo-RJ? Ou mesmo por que se torna um serial killer, como tantos que têm aparecido na TV? Será que podemos explicar por que esses casos, que nós só víamos à distância, aparecem agora tão próximos de nós?
Temos visto jovens de todas as classes sociais envolvidos com crimes de violência brutal, tirando a vida de outras pessoas, ou a sua própria, ou ambas, por causa de motivos banais. Qual é a explicação para isso?
Certamente não teremos uma elucidação definitiva, nem, muito menos, consensual, principalmente por que por trás das respostas que usualmente damos sempre há uma fuga, uma fuga nossa, de quem tenta dar justificativas para uma situação que insistimos em tratar como factual, conjuntural, ao invés de tentar explicações para um problema social de múltiplas reincidências.
Na maioria das vezes as respostas têm a ver apenas com drogas, falta de estrutura familiar, doenças, loucura, demônios, bullying e coisas desse tipo. Não posso negar que essas explicações não são de todo vazias, mas afirmo que são incompletas. Essas respostas têm pouco efeito prático, têm pouca reflexão, são, em muitos aspectos, simples demais para resolver um problema que é demasiadamente complexo.
Mas, então, qual é a resposta adequada? Bem, não sei se a tenho, mas proponho uma reflexão que faz com que todas as explicações acima citadas, e outras não citadas, se encaixem em uma lógica da ordenação social do nosso tempo altamente individualista e liberal (liberal em um sentido político-filosófico).
Creio que grande parte dos problemas que temos visto no sentido de atentar contra a vida, em suas múltiplas formas de fazê-lo, tem a ver com uma das novidades da chamada pós-modernidade. Trata-se da “solidão social”. Como é isso?
A solidão social é aquela que se sente no meio das pessoas, aquela que se sente sem que se consiga compreender ou, muito menos, explicar. Mas, o nosso interesse não é explicar o que se sente na solidão social. O nosso interesse é refletir sobre a forma como ela se processa na sociedade, sobre a suas origens e os seus danos.
A solidão social não é um mero produto do individualismo, ela é fruto de um individualismo que força o sujeito a estar dentro de certos padrões de aceitação popular. Ela é produto de uma sociedade de massa, que despersonifica cada vez mais o indivíduo, ao mesmo tempo em que o coloca dentro de redes sociais com padrões altamente definidos de participação e comunicação.
Aqueles jovens que não conseguem adentrar os padrões de comunicação exigidos pelos grupos dos quais desejam participar ficam presos a um anonimato inaceitável. Veja-se que as pessoas que costumam cometer essas atrocidades são, em geral, pessoas que não se abrem, não se comunicam adequadamente. São solitárias, mas não por falta de pessoas e sim por falta de capacidade de se comunicar. Mas, será falta de capacidade de comunicação, ou de espaço para tal?
Os jovens são cobrados por metas cada vez mais inatingíveis de popularidade nos Facebooks, Orkuts e outras redes sociais, eles se sentem pressionados a sair do anonimato, a chamar a atenção a comunicar a sua existência. Por outro lado, para que essa comunicação seja possível, eles têm que se enquadrar naquela comunidade feita de “iguais” e que não admite as idiossincrasias de um sujeito fora do modelo instituído. Ou seja, os jovens não podem tomar as suas próprias decisões, eles têm de transar, beber, usar drogas, vestir certas marcas, utilizar certos estilos para ser incluído em um grupo. E aqueles que estão em outras “tribos” ou que não estão em tribo alguma se tornam simplesmente “ninguém” no interior da sociedade de massa.
Segue da mesma forma no interior das famílias, que na tentativa de estabelecer o que cada um deve ser; como cada um deve agir; quanto cada um deve ganhar; esquece-se de ouvir, esquece-se de promover espaços de comunicação que respeitem a intimidade e a liberdade de se ser o que se sonha.
No fim das contas, os suicidas, os assassinos, os que cometem desatinos sociais são pessoas que não conseguem fazer uso dos espaços de comunicação social, seja em casa, na escola, na vizinhança, onde for. Eles simplesmente se sentem excluídos por que de fato o são.
E tem solução? Sim e não! A solução é promover dentro de cada ambiente de socialização um espaço real para a comunicação, para a atenção, para o carinho, para o amor, para a vida, para que os jovens se sintam parte de um ambiente inclusivo. Mas, isso é quase que um desmantelamento da atual formação das relações sociais, é quase que um desmantelamento do pragmatismo da vida pública, ou seja, é uma transformação da cultura de massa em uma cultura de pessoas que pode significar uma regressão inaceitável para o nosso tempo.
A solução passa pelas instâncias que não podem responder sozinhas pelo problema, mas podem dar suas contribuições para o desenvolvimento de uma saúde social que esses jovens precisam. É a recolocação do sujeito no meio social, dando para cada um o espaço real para ser o que ele deseja ser e para comunicar sua existência, mesmo que fora dos padrões. Pois temos vivido uma falácia no que tange a democracia do sujeito.
Para serem aceitas nesses ambientes “democráticos” as pessoas precisam se fantasiar em conformidade com os padrões de aceitação e fingir que fazem parte de uma comunidade a que não pertencem na sua essência. Assim, a sua aparência, o seu fenótipo, surge em um fenômeno social que não se identifica no seu interior. É essa mentira, essa farsa que o sujeito é obrigado a se submeter que gera intermináveis conflitos no interior de quem precisa comunicar-se, mas não consegue.
Precisamos voltar a tratar gente como gente e não como objetos, coisas. Precisamos revalorizar o afeto como trama principal das relações sociais, que devem ser exercidas no âmbito da pessoalidade e dos princípios comunitaristas. Assim, haverá, como sempre houve em outros tempos, espaço para que o indivíduo seja quem ele é, sem a necessidade de fantasias que comuniquem falsas imagens.


segunda-feira, 18 de abril de 2011

Pode o suicida entrar no Reino de Deus?

Muitos de nós fomos ensinados que o “suicida não entrará no reino dos céus”, e as pessoas que nos ensinaram isso sempre afirmaram que essa frase está escrita na bíblia, mas isso não é verdade, a bíblia não diz nada disso. Então, surgem outros argumentos do tipo: todo suicida é um homicida e os homicidas não entrarão no reino de Deus. Esse argumento também é falso, nem todo suicida é um homicida, pois as estatísticas psiquiátricas mostram que a depressão é responsável por cerca de 15% dos suicídios que acontecem no Brasil. Ora, nesse caso o suicida é apenas uma pessoa com uma doença grave, não um praticante deliberado do homicídio.
Eu não tenho nenhuma autoridade para falar sobre o suicídio em termos psiquiátricos, por isso gostaria de ir direto ao ponto: o quê, afinal, a bíblia realmente diz sobre o suicídio? Embora eu não pretenda fazer, aqui, um estudo exaustivo sobre o tema, vou tentar, pelo menos, esclarecer uma coisa: o suicídio não é necessariamente um sinal de que alguém não foi salvo.
Existem quatro casos de suicídio narrados no velho testamento: o rei Saul e o seu escudeiro (I Sm 31: 4-6), Aitofel (II Sm 17:23) e Sansão (Jz 16:30). No novo testamento temos o caso de Judas Iscariotes (Mt 27:3-5).
Vou partir dos casos de Sansão e Judas. Sabemos que em circunstâncias bastante diferentes esses dois homens cometeram o mesmo ato, ambos se mataram. Há quem crie polêmica sobre o suicídio de Sansão, mas o fato é que ele provocou conscientemente a sua própria morte e o nome disso é suicídio. No entanto, apesar de terem cometido o mesmo ato, Sansão é apresentado em Hebreus 11:32 como um dos heróis da fé e Judas, por outro lado, é apresentado no evangelho de Mateus como filho da desobediência, o primeiro entrou no reino dos céus, o segundo não.
O que esses dois casos podem nos ensinar? Podemos entender facilmente que não foi o suicídio que levou Judas a não ser salvo, mas a sua vida de negação ao Senhor. Sansão também era um homem pecador, como qualquer um de nós, mas não negou a sua fé. Vamos lembrar que a salvação é uma questão de fórum íntimo, que se dá, ou não, em decorrência com o nosso relacionamento com o Pai por meio da fé que está em nosso coração.
Portanto, à esta pergunta sobre a possibilidade de o suicida entrar, ou não, no reino dos céus, eu respondo: “sim”, é perfeitamente possível que alguém que se suicidou entre no reino dos céus. Isso não quer dizer obviamente que eu ache que o suicídio não é um pecado, pelo contrário, o suicídio é um pecado e jamais será a solução adequada para os problemas de alguém. Mas, a salvação é fruto da obra de Deus e não do homem. Logo, tudo vai depender das circunstâncias, se o suicídio for para alguém um abandono da fé, uma negação de Deus, como foi para Judas, o seu destino será o inferno. Mas, se o suicídio for uma saída imposta por circunstâncias como no caso de Sansão, ou mesmo de doenças que afetam a nossa relação com o mundo, como a depressão, pode haver salvação.
Há muitas questões sobre o suicídio e a bíblia que esse texto não se propôs a tratar. Mas, quem sabe, em outros textos podemos aprofundar as reflexões!? Por enquanto, uma coisa nos basta para aliviar o coração, o suicídio não significa necessariamente a condenação do indivíduo que o comete.

sábado, 16 de abril de 2011

A tristeza da morte e as lições para a vida

Eu gostaria honestamente de saber por que nos espantamos muito mais com as tristezas e desgraças da vida do que com as maravilhas que vivenciamos por obra de Deus. Lembro-me de certa vez, quando eu ensinava na escola bíblica, que uma irmã chegou contando um grande milagre, o seu carro havia sido abalroado por outro, virando de ponta cabeça, ela e sua mãe, uma senhora bastante idosa, não haviam sofrido nenhum arranhão apesar da violência do impacto. Não contestei, nem contesto, que isso tenha sido um milagre, mas contei um milagre maior, naquele mesmo dia, naquele mesmo horário, eu passei com meu carro por algumas ruas extremamente movimentadas, cheguei até a igreja e fui dar aula sem que nada acontecesse. Perguntaram-me: onde está o milagre? Respondi: onde vocês não podem, ou não querem, ver, nos livramentos de Deus.
Essa semana um rapaz morreu, suicidou-se. Percebi que alguns jovens que o conheciam diziam, em um estranho sentimento de culpa, que há jovens morrendo ao nosso lado e nós não estamos fazendo nada. Volto a perguntar: por que nos espantamos apenas com o mal e não contamos as bênçãos? Um jovem morreu, mas, entre nós, tantos outros nem têm pensado em suicídio; um jovem morreu, mas, entre nós, muitos outros descobriram um sentido melhor para vida; um jovem morreu, mas, entre nós, a sua morte tem tanto a ensinar.
A morte por suicídio não depende de um evento, ela é fruto de toda uma vida de conflitos internos. Ninguém decide repentinamente tirar a própria vida, essa decisão é construída e consolidada a partir da forma como se lida com a realidade. Ou seja, as causas do suicídio estão na intimidade do indivíduo, na sua forma de compreender e de lidar com o mundo ao seu redor. As pessoas não se suicidam por motivos externos a elas, apenas usam esses motivos como um estopim para o que desejam fazer. Não há culpados para esse tipo de coisa. Cada vez que procuramos culpados para fatos como esse, nós estamos matando aqueles que de alguma maneira estiveram envolvidos com quem se foi.
Que mania temos de culpar as pessoas, de culpar as entidades, de fazer os outros sofrerem arrastando uma dor que não precisavam carregar. Que mania de apontar o dedo, de buscar explicações para o inexplicável. Precisamos aprender, no meio dessa situação, a contar as bênçãos. Quantos jovens estão vivos apenas por que nos conhecem? Onde estaríamos nós se não fizéssemos parte de um grupo que convive irmanado pela fé? Deixemos para a morte os sentimentos que lhe são próprios: a saudade, o luto, a dor... Mas, tragamos à memória as esperanças que a vida pode nos oferecer: os sonhos, as amizades, os motivos que nós temos para continuar a jornada...
Nosso amigo se foi, mas sua atitude nos faz refletir sobre a quantidade de jovens que continuam vivos por que nós convivemos com eles. Vamos contabilizar a vida pelo que ganhamos, não pelo que perdemos.