Será
que podemos explicar por que alguém comete suicídio? Ou por que alguém comete
um assassinato em massa, como no caso de Realengo-RJ? Ou mesmo por que se torna
um serial killer, como tantos que têm aparecido na TV? Será que podemos
explicar por que esses casos, que nós só víamos à distância, aparecem agora tão
próximos de nós?
Temos
visto jovens de todas as classes sociais envolvidos com crimes de violência
brutal, tirando a vida de outras pessoas, ou a sua própria, ou ambas, por causa
de motivos banais. Qual é a explicação para isso?
Certamente
não teremos uma elucidação definitiva, nem, muito menos, consensual,
principalmente por que por trás das respostas que usualmente damos sempre há
uma fuga, uma fuga nossa, de quem tenta dar justificativas para uma situação
que insistimos em tratar como factual, conjuntural, ao invés de tentar
explicações para um problema social de múltiplas reincidências.
Na
maioria das vezes as respostas têm a ver apenas com drogas, falta de estrutura
familiar, doenças, loucura, demônios, bullying e coisas desse tipo. Não posso
negar que essas explicações não são de todo vazias, mas afirmo que são
incompletas. Essas respostas têm pouco efeito prático, têm pouca reflexão, são,
em muitos aspectos, simples demais para resolver um problema que é
demasiadamente complexo.
Mas,
então, qual é a resposta adequada? Bem, não sei se a tenho, mas proponho uma
reflexão que faz com que todas as explicações acima citadas, e outras não
citadas, se encaixem em uma lógica da ordenação social do nosso tempo altamente
individualista e liberal (liberal em um sentido político-filosófico).
Creio
que grande parte dos problemas que temos visto no sentido de atentar contra a
vida, em suas múltiplas formas de fazê-lo, tem a ver com uma das novidades da
chamada pós-modernidade. Trata-se da “solidão social”. Como é isso?
A
solidão social é aquela que se sente no meio das pessoas, aquela que se sente
sem que se consiga compreender ou, muito menos, explicar. Mas, o nosso
interesse não é explicar o que se sente na solidão social. O nosso interesse é
refletir sobre a forma como ela se processa na sociedade, sobre a suas origens
e os seus danos.
A
solidão social não é um mero produto do individualismo, ela é fruto de um
individualismo que força o sujeito a estar dentro de certos padrões de
aceitação popular. Ela é produto de uma sociedade de massa, que despersonifica
cada vez mais o indivíduo, ao mesmo tempo em que o coloca dentro de redes
sociais com padrões altamente definidos de participação e comunicação.
Aqueles
jovens que não conseguem adentrar os padrões de comunicação exigidos pelos
grupos dos quais desejam participar ficam presos a um anonimato inaceitável.
Veja-se que as pessoas que costumam cometer essas atrocidades são, em geral,
pessoas que não se abrem, não se comunicam adequadamente. São solitárias, mas
não por falta de pessoas e sim por falta de capacidade de se comunicar. Mas,
será falta de capacidade de comunicação, ou de espaço para tal?
Os
jovens são cobrados por metas cada vez mais inatingíveis de popularidade nos
Facebooks, Orkuts e outras redes sociais, eles se sentem pressionados a sair do
anonimato, a chamar a atenção a comunicar a sua existência. Por outro lado,
para que essa comunicação seja possível, eles têm que se enquadrar naquela
comunidade feita de “iguais” e que não admite as idiossincrasias de um sujeito
fora do modelo instituído. Ou seja, os jovens não podem tomar as suas próprias
decisões, eles têm de transar, beber, usar drogas, vestir certas marcas,
utilizar certos estilos para ser incluído em um grupo. E aqueles que estão em
outras “tribos” ou que não estão em tribo alguma se tornam simplesmente
“ninguém” no interior da sociedade de massa.
Segue
da mesma forma no interior das famílias, que na tentativa de estabelecer o que
cada um deve ser; como cada um deve agir; quanto cada um deve ganhar;
esquece-se de ouvir, esquece-se de promover espaços de comunicação que respeitem
a intimidade e a liberdade de se ser o que se sonha.
No
fim das contas, os suicidas, os assassinos, os que cometem desatinos sociais
são pessoas que não conseguem fazer uso dos espaços de comunicação social, seja
em casa, na escola, na vizinhança, onde for. Eles simplesmente se sentem
excluídos por que de fato o são.
E
tem solução? Sim e não! A solução é promover dentro de cada ambiente de
socialização um espaço real para a comunicação, para a atenção, para o carinho,
para o amor, para a vida, para que os jovens se sintam parte de um ambiente
inclusivo. Mas, isso é quase que um desmantelamento da atual formação das
relações sociais, é quase que um desmantelamento do pragmatismo da vida
pública, ou seja, é uma transformação da cultura de massa em uma cultura de
pessoas que pode significar uma regressão inaceitável para o nosso tempo.
A
solução passa pelas instâncias que não podem responder sozinhas pelo problema,
mas podem dar suas contribuições para o desenvolvimento de uma saúde social que
esses jovens precisam. É a recolocação do sujeito no meio social, dando para
cada um o espaço real para ser o que ele deseja ser e para comunicar sua
existência, mesmo que fora dos padrões. Pois temos vivido uma falácia no que
tange a democracia do sujeito.
Para
serem aceitas nesses ambientes “democráticos” as pessoas precisam se fantasiar
em conformidade com os padrões de aceitação e fingir que fazem parte de uma
comunidade a que não pertencem na sua essência. Assim, a sua aparência, o seu
fenótipo, surge em um fenômeno social que não se identifica no seu interior. É
essa mentira, essa farsa que o sujeito é obrigado a se submeter que gera
intermináveis conflitos no interior de quem precisa comunicar-se, mas não
consegue.
Precisamos
voltar a tratar gente como gente e não como objetos, coisas. Precisamos
revalorizar o afeto como trama principal das relações sociais, que devem ser
exercidas no âmbito da pessoalidade e dos princípios comunitaristas. Assim,
haverá, como sempre houve em outros tempos, espaço para que o indivíduo seja
quem ele é, sem a necessidade de fantasias que comuniquem falsas imagens.