Em
minha opinião, descobrir o outro como pessoa, e entendê-lo como alguém plenamente
humano, é um acontecimento fascinante e, ao mesmo tempo, um fantástico
exercício de autocompreensão. Digo isso, por que creio que só é possível
enxergar a humanidade do outro quando o percebo como ser semelhante a tudo
aquilo que eu também sou. Não estou falando sobre encontrar semelhanças na
identidade, como uma cara-metade, ou coisas do gênero, mas em reconhecer a
essência de alguém que, como eu, é privado de perfeição. Assim, a humanidade do
outro só se torna perceptível, ou reconhecível, pela minha consciência
altamente treinada para ser individualista, em dois casos: primeiro, quando
consigo deslocar-me do eu e entendê-lo, de fato, como outra pessoa, sem querer
fazer dele uma mera extensão do meu pensar; segundo, quando me disponho a
lançar sobre ele um olhar próprio e independente dos julgamentos que me foram
transferidos por outras pessoas.
Nos
dois casos acima, o outro aparece como uma mera representação imaginativa
daquilo que eu decidi através das minhas expectativas ou das determinações
feitas pelas imagens que me trouxeram. No primeiro caso, faço do outro uma
espécie de ser idealizado que não tem uma identidade própria, mas é apenas
aquilo que eu desejo que ele seja. Nego-me a compreendê-lo e a entendê-lo como
um ser autônomo que tem sua própria formação, sua própria relação com o mundo e
fundamentalmente as suas capacidades de decisão, reflexão e alteração. Dessa
forma, crio as “princesas ou os príncipes encantados” que existem apenas, no
meu próprio mundo, com a finalidade única de me possibilitar uma alucinada fuga
das dificuldades reais de um relacionamento com o outro. Seria, realmente,
muito fácil se cada pessoa com quem me relaciono fosse essa simples
representação dos meus ideais, ou seja, se ela fosse esse boneco, ou essa
boneca, que tento forjar segundo a minha própria imagem e semelhança. No
segundo caso, o problema gira em torno das reflexões feitas sobre as concepções
estabelecidas por terceiros. Isto é, o outro aparece como um reflexo de suas
relações anteriores, se positivas a imagem é ótima, se negativas a imagem é
terrível. Ele é agora um conto, uma imagem fundada em fragmentos do seu
passado, descontextualizado e sem direito ao aprendizado e à mudança interior.
Como se ele fosse um sujeito imutável, invariável. Um ser que circula dentro de
uma esfera de atitudes que o impede de modificar-se em função das suas próprias
experiências ou das novas articulações relacionais. A história, nesse caso,
faz-se argumento suficiente para medir qualitativamente alguém, desconsiderando
as marcas impressas pelos sucessos e insucessos no decorrer do tempo e dos
relacionamentos como elementos fundamentais para a construção ou re-construção
do ser em questão.
Posso
dizer-lhes hoje, caros amigos e amigas, baseado em minhas próprias
experiências, que o ser humano pode até ser condicionado pela sua história, mas
não é determinado por ela. O ser humano tem a capacidade incrível de
desenvolver, de ser novo, de ser diferente a cada dia. Portanto, o ser do
passado, que viveu relações certas ou erradas, torna-se um novo ser a cada nova
etapa de sua existência, pois ser humano é ser inacabado. Então, sinto-me capaz
de continuar essa pequena reflexão afirmando que descobrir o outro não é uma
atitude sua, nem minha, pois só se descobre àquilo que já tem plena existência,
aquilo que já está pronto. Descobrir o outro é fundamentalmente deixá-lo
mostrar-se, é permitir-lhe a expressão prática daquilo que ele percebe a seu
próprio respeito e, também, daquilo que ele ainda não percebe. É, acima de
tudo, dar-lhe o direito de mudar, de reconstruir-se, de adaptar-se. Deve-se
entender que o ser humano não é um objeto vago de significados, ou cheio de
características imutáveis como os seres inanimados, mas que é, sobretudo,
alguém volátil que se transforma em cada nova relação, em cada nova reflexão.
Nós, os inacabados seres humanos, não somos as imagens, nem as projeções, que
os outros fazem de nós, somos aquilo que construímos até o presente, mas
seremos mais, pois agora também estamos nos reconstruindo.
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