segunda-feira, 9 de junho de 2008

Descobrindo o outro!

Em minha opinião, descobrir o outro como pessoa, e entendê-lo como alguém plenamente humano, é um acontecimento fascinante e, ao mesmo tempo, um fantástico exercício de autocompreensão. Digo isso, por que creio que só é possível enxergar a humanidade do outro quando o percebo como ser semelhante a tudo aquilo que eu também sou. Não estou falando sobre encontrar semelhanças na identidade, como uma cara-metade, ou coisas do gênero, mas em reconhecer a essência de alguém que, como eu, é privado de perfeição. Assim, a humanidade do outro só se torna perceptível, ou reconhecível, pela minha consciência altamente treinada para ser individualista, em dois casos: primeiro, quando consigo deslocar-me do eu e entendê-lo, de fato, como outra pessoa, sem querer fazer dele uma mera extensão do meu pensar; segundo, quando me disponho a lançar sobre ele um olhar próprio e independente dos julgamentos que me foram transferidos por outras pessoas.
Nos dois casos acima, o outro aparece como uma mera representação imaginativa daquilo que eu decidi através das minhas expectativas ou das determinações feitas pelas imagens que me trouxeram. No primeiro caso, faço do outro uma espécie de ser idealizado que não tem uma identidade própria, mas é apenas aquilo que eu desejo que ele seja. Nego-me a compreendê-lo e a entendê-lo como um ser autônomo que tem sua própria formação, sua própria relação com o mundo e fundamentalmente as suas capacidades de decisão, reflexão e alteração. Dessa forma, crio as “princesas ou os príncipes encantados” que existem apenas, no meu próprio mundo, com a finalidade única de me possibilitar uma alucinada fuga das dificuldades reais de um relacionamento com o outro. Seria, realmente, muito fácil se cada pessoa com quem me relaciono fosse essa simples representação dos meus ideais, ou seja, se ela fosse esse boneco, ou essa boneca, que tento forjar segundo a minha própria imagem e semelhança. No segundo caso, o problema gira em torno das reflexões feitas sobre as concepções estabelecidas por terceiros. Isto é, o outro aparece como um reflexo de suas relações anteriores, se positivas a imagem é ótima, se negativas a imagem é terrível. Ele é agora um conto, uma imagem fundada em fragmentos do seu passado, descontextualizado e sem direito ao aprendizado e à mudança interior. Como se ele fosse um sujeito imutável, invariável. Um ser que circula dentro de uma esfera de atitudes que o impede de modificar-se em função das suas próprias experiências ou das novas articulações relacionais. A história, nesse caso, faz-se argumento suficiente para medir qualitativamente alguém, desconsiderando as marcas impressas pelos sucessos e insucessos no decorrer do tempo e dos relacionamentos como elementos fundamentais para a construção ou re-construção do ser em questão.
Posso dizer-lhes hoje, caros amigos e amigas, baseado em minhas próprias experiências, que o ser humano pode até ser condicionado pela sua história, mas não é determinado por ela. O ser humano tem a capacidade incrível de desenvolver, de ser novo, de ser diferente a cada dia. Portanto, o ser do passado, que viveu relações certas ou erradas, torna-se um novo ser a cada nova etapa de sua existência, pois ser humano é ser inacabado. Então, sinto-me capaz de continuar essa pequena reflexão afirmando que descobrir o outro não é uma atitude sua, nem minha, pois só se descobre àquilo que já tem plena existência, aquilo que já está pronto. Descobrir o outro é fundamentalmente deixá-lo mostrar-se, é permitir-lhe a expressão prática daquilo que ele percebe a seu próprio respeito e, também, daquilo que ele ainda não percebe. É, acima de tudo, dar-lhe o direito de mudar, de reconstruir-se, de adaptar-se. Deve-se entender que o ser humano não é um objeto vago de significados, ou cheio de características imutáveis como os seres inanimados, mas que é, sobretudo, alguém volátil que se transforma em cada nova relação, em cada nova reflexão. Nós, os inacabados seres humanos, não somos as imagens, nem as projeções, que os outros fazem de nós, somos aquilo que construímos até o presente, mas seremos mais, pois agora também estamos nos reconstruindo.

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