Estou
pensando seriamente em propor novas mudanças na língua portuguesa. Dessa vez a
mudança seria mais profunda, ela permitiria que as palavras expressassem as
ações e os sentimentos humanos ao mesmo tempo. A minha primeira proposta, nesse
sentido, seria mudar, para determinadas situações, a morfologia da palavra
“assistir”. Seria mais ou menos assim, quando essa palavra se referisse a
“assistir televisão” – especialmente programas jornalísticos – deveria assumir
a seguinte forma: “assustir”. Assim, passaríamos a falar: “Vou assustir o
Jornal Nacional”.
Assustir
seria a mistura da ação de assistir com a reação de assustar-se. Ora, pense comigo,
essa sim, seria uma mudança útil na língua portuguesa falada no Brasil. Afinal,
dessa forma, nós brasileiros poderíamos, com uma única palavra, expressar, com
alto grau de exatidão, as nossas experiências diante da televisão,
especialmente diante dos noticiários. Claro que faltaria uma palavra mais
precisa, mais poderosa, para descrever a tragicômica experiência de ver os
programas de Datena e dos seus – pasmem – imitadores.
Vocês
lembram-se do filme “A Hora do Pesadelo”? Com certeza aqueles que estão entre
os trinta e os quarenta, vão lembrar. Trata-se de um trash dos anos 80. Naquele filme o vilão,
Freddy Krueger, era um monstro que penetrava nos sonhos das pessoas, fazendo
coisas terríveis. O mocinho do filme, que é praticamente um anônimo, não podia
dormir, pois, dormindo, seria atacado pelos seus piores medos. Eu era um
pré-adolescente naquela época e ficava assustado, e dizia assim: “Caramba, isso
pode acontecer comigo”! E aí, eu ficava com medo de dormir e encontrar Krueger
nos meus sonhos.
O
curioso é que, agora, com quase quarenta anos de idade, voltei a dizer a mesma
coisa: “Caramba, isso pode acontecer comigo”! Só que agora esse sentimento vem
depois do telejornal. Eu não tenho mais medo de dormir, porém, tenho medo de
sair de casa e ser roubado, assaltado, atropelado, assassinado e, depois de
tudo, ser tratado como se eu fosse culpado por ter sofrido essas coisas. Agora
sim, depois de “assustir” o meu telejornal, tenho a impressão que Krueger,
junto com os meus piores medos, pode aparecer quando eu estiver bem acordado.
Então, posso dizer: Caramba, isso pode acontecer comigo!
Bem,
caros amigos. O meu maior Krueger é a impunidade que se manifesta nesse nosso
amado país de maneira líquida e certa a fim de garantir os direitos humanos
principalmente para os desumanos. Isso me assusta mais do que a violência, mais
do que os próprios crimes. Veja o que é loucura: duas pessoas estão no trânsito
às 6:00 da manhã, a primeira dormiu e acordou cedo, saiu de casa, está a
caminho da igreja em uma bela manhã de domingo; a segunda não acordou – pois ainda
não havia dormido – , saiu de um bar, está a caminho de onde ninguém sabe.
Encontram-se, as duas, em uma esquina, ambos querem passar, o semáforo está
aberto para a primeira, mas a segunda não pensa em parar, colidem... advinha
quem morreu? Advinha quem está solto? Advinha quem está cheio de multas de
trânsito? Isso eu “assusti” na TV. Mas, caramba, isso pode acontecer comigo!
No
final das contas, chega alguém – com um bonito terno e uma gravata cheia de
estilo – sabendo que o segundo estava alcoolizado, que dirigia em velocidade
muito acima dos limites permitidos, que ultrapassou o sinal vermelho, que matou
uma pessoa inocente e diz: “Esse rapaz tem direito a ampla e irrestrita defesa,
as coisas podem não ser bem assim como estão dizendo”. Isso me dá medo, muito
medo. Eu tenho medo disso por que grande parte dos acidentes com morte que
tenho “assustido” na TV são provocados por pessoas reincidentes, pessoas que
têm uma gigantesca lista de multas e que há muito deveriam ter sido retiradas
do trânsito. Mas, sempre vem um engravatado com os recursos de uma lei débil –
cancerígena mesmo – e, sem se importar com a pessoa que não teve como se
defender, arranja um meio de soltar o facínora.
Sabe
de uma coisa?! Ao contrário de quando eu estava saindo da minha infância eu bem
que gostaria que Krueger aparecesse nos meus sonhos, pois eu sei que acordaria
e voltaria a dormir. Desde que ele não estivesse solto no meio da rua,
protegido pelas canetas da impunidade, afirmando e reafirmando que eu posso
sair de casa e não mais voltar. Caramba, isso pode acontecer comigo!
Um comentário:
Me sinto igual...É um bom retrato do que temos visto. Parabéns pelo texto!
Postar um comentário