quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Saudade

Dizem, não sei por que, que saudade é palavra sem tradução. Deve ser alguma definição linguística mais complexa, ou um desses mitos que são criados na sabedoria popular. Em alemão, por exemplo, [das] heimweh é o vocábulo utilizado para se referir à saudade. Em inglês, miss traduz, não sei com que grau de perfeição, se não a palavra, a emoção. Por isso, nunca entendi essa afirmação. Mas, tudo bem! Na verdade é outra coisa que me interessa: o sentimento em si.
Escolhi esse tema por que percebi que a saudade é algo que me incomoda muito no dia a dia. Viajo toda semana, deixo minha esposa, minha casa, meu lar. Cada partida é uma dor, cada retorno é uma festa. Mas, quando estou longe, ah... isso eu não sei explicar, nem em português, nem em língua nenhuma. O fato é que a minha trajetória sempre teve um pouco disso, quando solteiro era os meus pais que eu deixava, os meus irmãos, também, obviamente, faziam muita falta. Quando meu pai se foi para sempre, a situação ficou assim: semanalmente eu estou longe, diariamente sinto saudade.
Então, hoje, decidi filosofar sobre a saudade e a linguagem. Nesse sentido, o fato mais importante é que mesmo admitindo-se que saudade é palavra sem tradução, não se pode concluir que esse sentimento seja exclusivo dos corações de língua portuguesa. Em grego, inglês, latim ou alemão a dor seca e vazia da ausência daquilo, daquele ou daquela que outrora esteve presente e agora não mais está encontra suas expressões no idioma ou, simplesmente, nas linguagens do sofrimento.
A saudade é linguisticamente indefinida, ou, pelo menos, mal definida. Todas as vezes que se tenta explicá-la, uma lacuna fica no ar. Afinal, como definir, em palavras, um sentimento que se constrói com base na ausência? Perdoem-me se sou demasiadamente filosófico nesse momento, mas a ausência é inexistência, distanciamento; é, na melhor das hipóteses, aquilo que estava próximo e não está mais, ou, no pior ângulo, aquilo que nunca foi ou nunca esteve presente. Muita filosofia, não é? Desculpem-me, mais uma vez. Mas, esse é o mistério, como se pode definir o vazio? Como se pode explicar aquilo que se sente por não se ter, aquilo que se percebe, mas não está ali?
No início desse texto, utilizei a língua alemã como exemplo; não foi à toa. Uma poetisa alemã, chamada Homeschneider, escreveu que “saudade é a presença ausente da pessoa amada”. Foi a primeira vez, talvez a única, que vi alguém se referir à saudade como presença e isso é mais que poesia, isso é uma perspectiva inovadora e profunda para uma questão filosófica e existencial. Uma forma completamente diferente de todas as anteriores de se aproximar do que é saudade. Quando sinto saudade, não é a ausência que se manifesta em meu ser, mas a presença. Isso é muito inspirador e – por que não dizer? – consolador. É a presença de minha esposa que me acompanha quando estou com saudade, é presença do pai que sinto quando choro.
Que bom! Essa perspectiva me mostra que, em meio a lágrimas ou sorrisos, a saudade traz para perto, traz para dentro de nós a presença de quem amamos. Ela traz para a nossa intimidade a força das lembranças suaves das experiências vividas em outros momentos. A saudade, dir-se-ia, filosoficamente falando, é o retrato de um fenômeno que fica registrado no campo da memória. Porém, mais que isso, digo, a saudade é o retorno do próprio fenômeno, é a sensação de que tudo é como era. A saudade é um continuum, uma certeza de que nada deixou de ser.
Saudade gira em torno da esperança, não do desespero; saudade gira em torno do bem que se teve, não da perda; saudade não aparece, nem desaparece, ela é apenas um reagente do amor que outrora construiu algo dentro de nós. 
A saudade não é dominadora, não toma conta da realidade! A saudade não pode impedir os próximos passos, não pode nos prender no passado, não pode desmotivar o desejo de se construir um futuro ainda melhor do que o passado.  A saudade não pode nos impedir de viver o hoje, o agora, pois ela não é razão para se viver, mas apenas inspiração para continuar a jornada. Sentir saudade não é viver para recordar, mas recordar para continuar vivendo e buscando novas razões para se ter saudade.

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