quarta-feira, 15 de maio de 2013

Há um sentido para a vida?

Há algum tempo escrevi um texto sobre a precariedade humana para apresentar em um simpósio de ciências sociais; trata-se de uma reflexão sobre a fragilidade da vida e a incapacidade do homem de se compreender no contexto de um mundo (aqui no sentido cosmológico, ou seja, de universo) que ainda nos é quase que inteiramente desconhecido. A reflexão, fundamentada nas obras de dois grandes filósofos, Santo Agostinho e Martin Heidegger, foi considerada pessimista por um colega professor e filósofo. Faço questão de dizer que discordo plenamente do colega, mas reconheço que o problema talvez esteja na introdução do texto e na forte evidenciação do quanto somos pequenos diante do cosmos.
Hoje, ao receber a notícia da morte súbita de uma pessoa por quem nutri grande admiração, aquele texto veio inteiramente à minha mente – agora, evidenciando o sentido da filosofia prática, aquela que se ocupa dos fatos e atos da vida comum. Perguntei-me, depois de uma jornada considerada excepcional, aquele homem tão admirado se foi, deixando o quê? Mas, essa pergunta não está relacionada diretamente ao finado amigo, muito longe disso, não quero que o texto ofereça qualquer aparência de desmerecimento da vida, da carreira e da produção dele. A pergunta está relacionada àquilo que nos tem motivado a fazer o que fazemos e a desejar o que desejamos.
Quando voltei a refletir sobre tudo isso, caí na inevitável questão, qual é o sentido da vida? Sim, pois diante da morte de alguém que se admira é impossível não se perguntar sobre esse assunto. Tentei obter uma resposta racional, aliás tenho tentado isso há muito tempo, procurando esclarecer, principalmente aos meus amigos pensadores, que razões temos para continua vivendo. E do ponto de vista puramente racional, vi-me obrigado a concordar com Friedrich Nietzsche. Aliás, vi-me obrigado a me tornar ainda mais cético do que ele. Olhando para o mundo de um ponto de vista materialista, não podemos encontrar sentido na vida, não há como. Nietzsche sugere que a vida humana não tem finalidade nenhuma a não ser a reprodução e perpetuação da espécie. Eu, porém, acredito que, do ponto de vista materialista, isso não é sentido suficiente para a vida.
Sou mais cético que Nietzsche quando afirmo, usando como base o mesmo materialismo racional que ele e seus seguidores utilizam, que nenhum legado que possamos deixar para as gerações futuras poderá escapar do cansaço que consome as nossas vidas. As heranças que deixamos para os nossos filhos colocam-nos na mesma posição que nós, oferecendo-lhes as mesmas preocupações e trazendo-lhes as mesmas dores. Uma repetição da vida, um ciclo que se reinicia continuamente, um “eterno retorno” da mesmice da falta de sentido. Lembra-me a lenda de Sísifo, personagem da mitologia grega, condenado por Zeus a mover uma pedra para o cume de uma montanha, mas, todos os dias, no final da tarde, com a tarefa quase concluída, a pedra rola montanha abaixo e Sísifo é obrigado a reiniciar a sua tarefa. Eternamente, Sísifo empurra uma pedra para um alvo que jamais será atingido. Assim, parece-me a vida quando eu a limito às fronteiras da racionalidade.
Mas, pera lá, eu disse que o texto não era pessimista. Então, tenho que provar isso. Acontece que a precariedade da vida, ou seja, essa nossa incapacidade de explicar racionalmente as nossas origens e destinos – pela falta de conhecimento do mundo no qual fomos lançados – abre os caminhos para algo muito mais forte do que a simples racionalidade, o sentimento de eternidade. Sim, o sentimento de eternidade, aquele sentimento que nos faz ter uma convicção interior de que não encontraremos um fim, mas que nossas vidas de alguma maneira se prologarão. A racionalidade nos afasta desse sentimento, mas, a não ser que estejamos inseridos na mais profunda angústia, esse sentimento está lá no nosso interior, ainda que racionalmente negado.
Esse sentimento não pode ser tratado apenas como um mecanismo de defesa da psicanálise freudiana, ele precisa ser aceito como uma alternativa a tudo aquilo que precisamos e desejamos conhecer. Não quero retornar ao período mítico, destruído brilhantemente pela filosofia pré-socrática, longe disso, quero apenas que se veja que a racionalidade materialista deixa um vazio muito grande na sua explicação. Bram Stoker, em seu mais famoso livro - Drácula -, colocou na boca de um dos seus personagens, Van Helsing, que fé é acreditar em tudo aquilo que temos certeza que não existe.
É essa lacuna entre o que sabemos e o que desconhecemos que me anima a encontrar um sentido para a vida. Esse sentido não está no que deixamos como herança, não está no que possuímos, não está no que encontramos, mas sim naquilo que procuramos. O sentido da vida é essa busca implacável pelo preenchimento interno, pela elucidação de algo superior à razão e todas as suas mirabolantes explicações, é a busca por Deus. A lacuna do saber é o espaço correto para se colocar Deus, não como esperança vã, no sentido que lhe é dado por Comte-Sponville, mas, como realidade plausível e possível, como posto pelo rei Salomão.
“Não posso ver anjos no espaço”, diz o astronauta, “por isso sei que eles não existem”. “Eu também não posso ver pensamentos”, diz o neurocirurgião, “mas, sei que eles estão no interior de cada cabeça que opero”. Não precisamos de limites para conhecer o mundo, precisamos de humildade, pois a fé é “a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” (Hb 11:1). 

Um comentário:

Unknown disse...

Profº Josemar,
Parabéns pelo maravilhoso texto!
Essa notícia pegou todo mundo de surpresa e creio que muitos hoje fizeram essa pergunta!
Fico com sua frase: É essa lacuna entre o que sabemos e o que desconhecemos que me anima a encontrar um sentido para a vida!
Acredito também que a vida não termina aqui e por isso procuro, na medida do possível, dentro das minhas limitações humanas, ser a cada dia, uma pessoa melhor. Um abraço